A atitude de Jesus diante da violência contra a mulher

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A atitude de Jesus diante da violência contra a mulher
CURSO DE TEOLOGIA
SARA ELAINE DE OLIVEIRA ALEXIUS
A ATITUDE DE JESUS DIANTE DA VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER:
Estudo Exegético de São João 7:53 - 8:11.
Londrina
2010
SARA ELAINE DE OLIVEIRA ALEXIUS
A ATITUDE DE JESUS DIANTE DA VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER:
Estudo Exegético de São João 7:53 - 8:11.
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado
à Graduação do Curso de Teologia da
Universidade Filadélfia de Londrina como
requisito parcial para obtenção do título de
Bacharel em Teologia.
Profª. Orientadora Drª. Selma Frossard Costa.
Londrina
2010
SARA ELAINE DE OLIVEIRA ALEXIUS
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado
à Graduação do Curso de Teologia da
Universidade Filadélfia de Londrina como
requisito parcial para obtenção do título de
Bacharel em Teologia.
Profª. Orientadora Drª. Selma Frossard Costa.
Londrina, 09 de Novembro de 2010.
Orientadora: Profa. Drª. Selma Frossard Costa
Centro Universitário Filadélfia de Londrina
Prof. Drº. Leandro Henrique Magalhães
Centro Universitário Filadélfia de Londrina
Profº. Ms. José Trigueiro Neto
Centro Universitário Filadélfia de Londrina
“EU VIM PARA QUE TENHAM VIDA E A
TENHAM EM ABUNDÂNCIA”.
Jesus Cristo
ALEXIUS, Sara Elaine de Oliveira. A Atitude de Jesus diante da Violência contra
a Mulher: estudo exegético de São João 7:53 - 8:11. 2010. 88 folhas. Trabalho de
Conclusão de Curso (Bacharel em Teologia) Centro Universitário Filadélfia - UniFil,
Londrina, 2010.
RESUMO
Esta pesquisa objetivou a investigação exegética sobre qual foi a atitude de Jesus
Cristo diante da violência contra a mulher demonstrada na passagem de João 7:53 –
8:11. Através do método histórico-crítico primou-se por conhecer os fatos em sua
realidade contextual e quais as implicações que o texto apresentou para seus
destinatários. Também buscou-se conhecer a conjuntura atual sobre a violência
contra a mulher, conceito, classificação e formas de enfrentamento. Em seguida,
fez-se uma breve pesquisa de campo indicando o perfil da mulher evangélica que
sofre violência atendida no Centro de Atendimento à Mulher na cidade de Londrina
com a finalidade de chamar a atenção da igreja evangélica para a realidade das
famílias que estão dentro da igreja em situação de violência. Finalmente, refletiu-se
o paradigma cristológico, funtamentado na práxis de Jesus e como ela pode
contribuir no enfrentamento à violência baseada no gênero em prol da condição
feminina.
Palavras-chave: Teologia, Gênero, Feminino,Violência, Jesus.
ALEXIUS, Sara Elaine de Oliveira. The Atitude of Jesus about the violence
against the woman: a exegetic study of Saint John 7:53 - 8:11. 88 folhas.
Trabalho de Conclusão de Curso (Bacharel em Teologia) Centro Universitário
Filadélfia - UniFil, Londrina, 2010.
ABSTRACT
This research aimed the exegetic investigation of the attitude of Jesus Christ about
the violence against the woman demonstrated in the text of John 7:53 – 8:11.
Through the historical-critical method researched for to know the facts in contextual
reality and which were the implications that the text presented for theirs addressees.
Also searched to know the current conjuncture about the violence against the
woman, concept, classification and forms of confrontation. After that, a briefing field
research indicating the profile of the protestant woman who suffers violence the used
the Centro de Atendimento da Mulher (Woman Attendance Center) in the city of
Londrina with the purpose to call the attention of the protestant church for the reality
of the families who are inside of the church in violence situation. Finally, the
christologic paradigm, established in the Jesus acts and as it can contribute in the
confrontation to the violence based on the gender in favor of the feminine condition.
Key Words: Theology, Gender, Feminine, Violence, Jesus.
LISTA DE TABELAS
TABELA 1: POPULAÇÃO ESTIMADA DO MUNICÍPIO DE LONDRINA
64
POR SEXO E FAIXA ETÁRIA ..........................................................................
64
TABELA 2: POPULAÇÃO ESTIMADA DE MULHERES LONDRINENSES
65
ACIMA DE 15 ANOS ........................................................................................
65
TABELA 3: CATEGORIA RELIGIÃO ..............................................................
66
TABELA 4: SITUAÇÃO DE TRABALHO ........................................................
67
TABELA 5: SITUAÇÃO EDUCACIONAL ........................................................
67
TABELA 6: SITUAÇÃO HABITACIONAL .......................................................
68
TABELA 7: RENDA FAMILIAR .......................................................................
69
TABELA 8: FAIXA ETÁRIA .............................................................................
70
TABELA 9: NÚMERO DE FILHOS ..................................................................
70
TABELA 10: ESTADO CIVIL ...........................................................................
71
TABELA 11: CARACTERIZAÇÃO DA VIOLÊNCIA ........................................
71
TABELA 12: AVALIAÇÃO DE RISCO DA INTEGRIDADE FÍSICA ................
72
AGRADECIMENTOS
Ao Centro Universitário Filadélfia (UniFil) pelo Curso de Teologia e por todo conhecimento
proporcionado nestes quatro anos.
A professora orientadora Drª Selma Frossard da Costa e aos demais professores componentes
da banca, Ms. José Martins Trigueiro Neto e Dr. Leandro Henrique Magalhães por toda
colaboração e incentivo.
Ao professor Dr. Levi DeCarvalho, Ph.D - coordenador do Curso de Teologia - pelo apoio na
exegese do texto e pelo estímulo para a pesquisa de campo.
Ao amigo de todas as horas Jean Caio Scotton Alves pelas dicas na formatação final do
trabalho.
A Secretaria Municipal da Mulher pelo acesso aos livros do acervo municipal. Ao Centro de
Atendimento a Mulher por oportunizar a pesquisa de campo e bibliografias pertinentes. À
Biblioteca Central do Centro Universitário Filadélfia (UniFil), à Biblioteca da Faculdade
Teológica Sul Americana (FTSA) e à Biblioteca Pública Municipal de Londrina.
Ao lindo Daniel Lisandro Alexius por todo amor dispensado, por fazer parte da minha vida,
por sempre incentivar meus estudos e crescimento pessoal. Bem como pelo apoio na correção
do trabalho.
Ao Senhor Jesus Cristo pelo resgate de nossa humanidade através de sua própria encarnação,
pela valorização da mulher e por ser tão lindo e maravilhoso. Ao Pai de amor e ao doce
Espírito Santo.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ..................................................................................................
10
CAPÍTULO 1 – ESTUDO EXEGÉTICO DO TEXTO DE JOÃO 7:53 - 8:11...
14
1.1 Delimitação..................................................................................................
15
1.2 Análise Textual............................................................................................
15
1.3 Análise Contextual......................................................................................
21
1.4 Análise de Conteúdo..................................................................................
30
1.6 Considerações Exegéticas: Síntese do Significado e Implicações..............
39
CAPÍTULO 2 – VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER E SUAS FORMAS DE
41
ENFRENTAMENTO...........................................................................................
41
2.1 Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher: Conceito Legal e
42
Formas...............................................................................................................
42
2.2 Aspectos Históricos sobre a Condição da Mulher no Mundo e no Brasil ...
43
2.3 Formas de Enfrentamento à Violência Contra a Mulher .............................
49
2.3.1 Movimentos e Organizações de Mulheres em Busca de Emancipação...
49
2.3.2 Apontamentos Legais no Combate a Violência Contra a Mulher.............
54
2.3.3 Políticas Públicas como enfrentamentos a Violência Contra a Mulher no
56
Brasil..................................................................................................................
56
2.3.4 Políticas Públicas implementadas na Cidade de Londrina.......................
59
CAPÍTULO 3 – O ENSINO TEOLÓGICO DE JESUS CRISTO E O
63
ENFRENTAMENTO DA VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER NOS DIAS
63
ATUAIS..............................................................................................................
63
3.1 Apontamentos sobre Perfil Geral da Mulher Londrinense...........................
63
3.2 Pesquisa de Campo e Dados sobre a Mulher Evangélica que Sofre
65
Violência na Cidade de Londrina.......................................................................
65
3.3 Releitura para uma Práxis Fundamentada no Modelo de Jesus ..............
74
CONSIDERAÇÕES FINAIS ..............................................................................
80
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................
82
ANEXOS............................................................................................................
87
INTRODUÇÃO
Historicamente a prática da violência é constatada, em suas mais
diversas formas de expressões, em todas as sociedade humanas, nas variadas
classes sociais, nas diferentes culturas. O tema é pontuado em diversos relatos de
pesquisadores, apesar da omissão de muitos aspectos acerca da historicidade
feminina. No recorte desta pesquisa, o tema é a “Atitude de Jesus diante da
Violência contra a Mulher”. Por muitas vezes as Sagradas Escrituras foram utilizadas
para justificar práticas de violêcia em diferentes dimensões, incluindo a violência
contra a mulher. Atualmente, a violência se constitui objeto constante de debates na
mídia e na sociedade em geral. No Brasil é abordado como um problema de
segurança pública e a especificidade do tema em relação ao gênero ganhou
notoriedade nos últimos anos.
Com acirramento da questão social a violência tem se aprofundado
na sociedade contemporânea, pois há uma banalização de práticas e pensamentos
violentos. A violência possui raízes históricas e sociais, bem como múltiplas facetas
causais. Pesquisadores apontam a necessidade da articulação entre os vários
setores e instituições, tanto no âmbito público quanto privado, para que toda
sociedade contribua
no enfrentamento da situação. Logo, por ser uma questão
multidisciplinar, para refletir sobre este objeto, a violência contra a mulher, optou-se
pela investigação de como a Teologia e a Cristologia podem oferecer contribuições
em prol do enfrentamento desta questão, auxiliando a Igreja em sua atuação.
A proposição deste trabalho surgiu com o questionamento diante da
realidade atual sobre a mulher em comparação com o que Jesus Cristo ensinou há
dois mil anos. O problema baseou-se no fato de que após tanto tempo da morte e
ressurreição de Jesus os avanços históricos, jurídicos e teológicos que envolvem a
dignidade da mulher ainda são demasiado lento. Seria então a Bíblia uma fonte que
ratifica a violência contra a mulher? Teria Jesus tratado as mulheres com
discriminação? Assim, investigou-se como a atitude de Jesus para com as mulheres
pode colaborar nas questões de gênero nos dias atuais, além do questionamento de
como a Igreja contemporânea tem lidado com a temática. Igualmente, estudou-se
mais especificamente a igreja evangélica, buscando-se entender como a violência é
11
sofrida pela mulher evangélica.
Assim, o objetivo geral foi conhecer como a atitude de Jesus ante a
mulher pode ser relevante para a conjuntura de nossos dias quanto ao
enfrentamento da violência baseada no gênero. Então, como objetivos específicos,
pode-se apontar a investigação da atitude de Jesus à época em que o texto foi
escrito, o que significou suas ações, quais implicações decorrentes do paradigma
cristológico, qual foi a postura da religião no contexto bíblico, no que a religião oficial
diferiu do modelo de Jesus, bem como pensar qual tem sido o posicionamento da
Igreja presente do século XXI. Elucida-se que ao falar Igreja, tem-se o conceito de
Igreja em sua universalidade, ou seja, todos aqueles que professam a Cristo como
Salvador e agora fazem parte da família de Deus. Não obstante, devido o recorte da
pesquisa, refletiu-se mais peculiarmente sobre a igreja evangélica brasileira,
objetivando-se contribuir com as lideranças evangélicas, chamando a atenção para
a questão da violência feminina que ocorre dentro do seio familiar evangélico.
A metodologia adotada para coleta de dados foi fundamentada na
análise exegética, na pesquisa bibliográfica e documental. A Teologia possui suas
peculiaridades para análise do problema e reflexão sobre o tema escolhido.
Atualmente, o Centro Universitário Filadélfia vem trabalhando com uma perspectiva
acadêmica voltada para a investigação bíblica. Desta forma, fez-se necessário a
escolha de um texto bíblico para Exegese e a perícope selecionada foi epístola de
João cap 7:53 – 8:11, sendo a Exegese uma disciplina teológica que prima pela
busca da inquerição do texto em seus idiomas originais. Para isto, foi eleito o
método histórico-crítico, o qual pondera os condicionamentos históricos, culturais,
linguísticos e temporais para análise exegética, ou seja, o método procura refletir a
partir de qual matriz histórica o texto foi escrito e o que isto implicou ao seus
destinatários.
Por conseguinte, a elaboração do CAPÍTULO 1 está funtamentada
na Exegese da passagem mencionada, a qual é oriunda da leitura de obras e
reflexões de diversos autores que analisam a perícope, como Cristina Conti, Russel
Champlin, James Strong entre outros. A disposição do capítulo é a forma ensinada
pelo professor José Adriano Filho e indicada por Klaus Berger e Uwe Wegner,
exegetas da atualidade indicados pelo Curso de Teologia da UniFil.
No CAPÍTULO 2 abordou-se questões pertinentes a Violência
contra a Mulher e suas Formas de Enfrentamento. Buscou-se conhecer conceitos,
12
classificações e expressões da violência baseada no gênero, além de pontuar
aspectos históricos gerais sobre a condição feminina. Ademais, utilizou-se
conteúdos bibliográficos disponíveis de pesquisadores de diversas áreas que
abordam temas correlatos como sociólogos, historiadores e estudiosos do direito e
da literatura, tais como Branca Moreira Alves, Jacqueline Pitanguy, Fustel de
Coulanges, Denis Numa, Marrilyn Yalom e outros. Semelhantemente, fez-se uso de
materiais oficiais do Governo Federal e Municipal como o Ministério da Saúde, a
Secretaria de Políticas Especiais para as Mulheres, a Secretaria Municipal da
Mulher, além de Leis e Decretos.
No CAPÍTULO 3 complementou-se a reflexão com uma breve
pesquisa de campo, por meio da pesquisa documental, demonstrando o perfil da
mulher evangélica que sofre violência na cidade de Londrina. Para a pesquisa
documental foi realizado um levantamento de dados cadastrados no Centro de
Atendimento à Mulher – CAM de Londrina – em que se buscou conhecer o perfil das
mulheres que sofrem qualquer forma de violência, destacando aquelas que se
declararam de confissão evangélica. Para isto escolheu-se dez tipos categóricos
para delinear o perfil e permitir a reflexão dos dados no subsídio do estudo temático,
a saber: dados sobre a religião das mulheres em geral, situação de trabalho,
situação educacional, situação habitacional, renda familiar, faixa etária, número de
filhos, estado civil, caracterização da violência sofrida e avaliação de risco da
integridade física. De igual modo, procurou-se as congruências entre o CAPÍTULO 1
e o CAPÍTULO 2 numa releitura hermeneutica baseada na práxis de Jesus para o
enfrentamento da violência contra a mulher nos dias atuais.
Quanto as limitações da pesquisa, considera que foi escasso o
acesso ao material bibliográfico sobre a história feminina. Outra restrição é de ordem
temporal, pois o lapso de tempo utilizado no estudo da pesquisa documental
abrangeu o período de janeiro de 2010 a setembro de 2010. A investigação foi
aplicada ao público-alvo das mulheres evangélicas, em especial pelo fato de se
pretender trazer uma contribuição revelante para a igreja evangélica de hoje.
Salienta-se que Jesus veio para todas as mulheres, no entanto o recorte foi
realizado a partir do perfil da mulher evangélica que procurou atendimento no CAM
no período investigado. Cabe ainda ressaltar que outras instituições que trabalham a
temática da violência também não foram contempladas neste estudo, como o Centro
de Referência Especializado da Assistência Social – CREAS III – que trabalha com
13
crianças vítimas de violência doméstica, incluindo desde meninas bêbes até
adolescentes, bem como a Delegacia Especializada de Atendimento a Mulher –
DEAM – que recebe variados casos de violência contra a mulher. Desta forma, as
características referentes ao perfil não podem ser generalizadas para outras
mulheres de forma ampla e nem mesmo em outra localidade ou outro período de
tempo. Por outro lado, a atitude de Jesus pode sim ser aplicada para o
enfrentamento de toda forma de violência baseada no gênero.
As considerações finais são apreensões da pesquisadora a respeito
da temática.
CAPÍTULO 1 – ESTUDO EXEGÉTICO DO TEXTO JOÃO 7:53-8:11
O Trabalho de Exegese foi realizado utilizando-se como referência o
texto do Evangelho de São João capítulo 7:53 - 8:11, perícope esta que aborda o
posicionamento de Jesus diante do episódio da mulher adúltera, por alguns autores
chamada de a mulher perdoada.
O ponto 1.1 objetiva a delimitação do texto com os seguintes itens:
a) indicação de lugar; b) indicação de tempo; c) personagens; d) forma literária e e)
cesuras.
O ponto 1.2 explana o tópico Análise Textual, em que se desdobra
uma abordagem da forma literária e da estrutura do texto.
Análise de Conteúdo é trabalhada no ponto 1.3 com apontamentos
de autores sobre os versículos peculiares da perícope.
Análise Contextual é pesquisada no ponto 1.4, indicando-se qual é o
contexto literário teológico, o contexto sócio histórico e a função do texto no contexto
geral.
O ponto 1.5 traz o texto em grego, tradução literal, tradução para o
português e apontamentos de análise morfológica de algumas palavras.
Por fim, o ponto 1.6 indica uma Síntese do significado do texto, ou
seja, mostra quais as principais idéias teológicas ensinadas pelos escritos e suas
implicações, as quais serão retomadas no Capítulo 3.
15
1.1 Delimitação:
a) Indicação de lugar: o v. 2 indica que o episódio ocorreu no templo.
b) Indicação de tempo: ainda no v. 2 aponta-se que a cena se passou de
madrugada.
c) Personagens: Jesus, todo povo, escribas, fariseus e uma mulher, exceto
Jesus, os demais sujeitos são sujeitos indeterminados. (Após a exegese
descobriu-se que Jesus dirigiu-se aos escribas, fariseus e a mulher como
sujeitos definidos).
d) Forma Literária: a forma literária se trata de uma apotégma, a qual será
analisada no próximo tópico.
e) Cesuras1: João 7:53 - 8:11 é uma perícope, ao passo que os v. 12 ao v. 20 já
indicam outra perícope, sendo então o v.12 uma cesura.
1.2 Análise Textual
1.2.1 Forma literária e estrutura de João 7:53-8:11
Para Uwe Wegner (2007) o Novo Testamento utiliza várias formas
de expressão para comunicar seu conteúdo. Precisamos, assim, identificar as
formas usadas na comunicação do evangelho, “os gêneros literários, que
compreendem o conjunto dos textos com formas iguais, a situação na qual as
formas adquiriram as suas características específicas [...], a intenção com a qual
estas formas e seus respectivos gêneros foram empregados 2”. Já a estrutura do
texto procura “familiarizar-nos com as disposições externas do seu conteúdo [...]”,
baseando-se na observação das suas partes exteriores, ou seja, “na sua disposição,
subdivisão, realce e conexão3”. Sobre as formas literárias, Berger (1998) afirma que
seu estudo:
[...] combina a crítica dos gêneros literários com a investigação de
sua história. A crítica dos gêneros literários investiga-os com base
em determinados critérios [...]. Por outro lado, “a forma de um texto é
1
Cesura é a delimitação dada pelo editor. São pequenos espaços em branco que demarcam a
perícope como unidade textual. Cada editor define seus critérios.
2
WEGNER, Uwe. Exegese do Novo Testamento: manual de metodologia. São Leopoldo: Sinodal:
São Paulo: Paulus, 5ª edição, 2007, p. 167.
3
WEGNER, 2007, p. 88.
16
a soma de suas características de estilo, sintaxe e estrutura; isto é,
sua configuração lingüística [...]. E características estruturais são
aquelas que resultam da relação das partes de um texto entre si4.
Para Jaubert (1985) o Evangelho de João levanta muitas
interrogações entre os críticos a respeito da redação do livro e não existe um
consenso entre os especialistas. Possivelmente o autor é João filho de Zebedeu, o
discípulo amado. De acordo com esta autora, para um determinado número de
exegetas, João “estaria na origem do quarto evangelho, mas não o teria redigido [...]
esse evangelho teria passado por um longo processo de formação nos ambientes
judaico-helenistas [...] e denomina-se “escola joanina” o conjunto de discípulos que
pregavam em comunidades vinculadas ao testemunho do Discípulo5”, os quais
teriam redigido o evangelho ao longo do tempo. Assim, esta hipótese oferece uma
grande “plasticidade de variações nos detalhes” e “explica as informações de
primeira mão que o evangelho contém6”. Ainda para Jaubert (1985, p.39) certos
episódios, embora pertencentes às tradições da comunidade, podem ter sido
inseridos mais tarde e inseridos numa forma anterior do evangelho, cujas feições
são impossíveis precisar. Se existiu um evangelho primitivo – hipótese provável –
certas cenas podem ter sido ampliadas devido à sua riqueza teológica potencial.
Raymond E. Brown (1999) sugere que “o período pré-evangélico de
formação tipicamente joanina durou várias décadas, dos anos 50 aos anos 80, e [...]
o evangelho foi escrito aproximadamente no ano 90 d.C7”.
Outra opinião é apresentada por J. C. Ryle (1957). Para Ryle,
aqueles que colocam em xeque a autoria joanina são “pessoas de ânimo
escrupuloso, que se detiveram diante desta passagem e duvidaram que realmente
tivesse sido escrita por São João8”.
No entanto, para diversos outros autores, o texto não é de autoria
joanina, mas sim uma adição posterior advinda da tradição oral. Segue breve
opinião de alguns destes autores e suas considerações.
Para Werner de Boor (2002) o texto é uma intercalação que “não foi
escrita por João e originalmente não fazia parte deste evangelho. O texto autêntico
4
BERGER, Klaus. As Formas Literárias do Novo Testamento. S. Paulo: Loyola, 1998, p. 13.
JAUBERT, Annie. Leitura do Evangelho Segundo João. 3º ed. São Paulo: Paulinas, 1985, p. 15.
6
JAUBERT, 1985, p. 15.
7
BROWN, R.E. A Comunidade do Discípulo Amado. 3º ed. São Paulo: Paulus, 1999. p. 61.
5
17
continua em Jo 8:12. O fato de que se trata de uma “intercalação” não apenas é
demonstrado pelo estilo totalmente diferente da narrativa, mas também pela sua
posição variável nos manuscritos do NT9”.
Johan Konings (1997) diz “Jo 7,53-8,11 (a adúltera) é um trecho
evangélico transmitido isoladamente, que no século IV recebeu um lugar no
evangelho de Jo, mas não tem o estilo nem pertence à estrutura do mesmo. Deve
ser explicado separadamente10”.
Cristina Conti (2002) esclarece que esta perícope aparece somente
nos manuscritos tardios e em sete lugares diferentes (variando cinco vezes no
Evangelho de João e duas vezes no Evangelho de Lucas, sendo o estilo mais
próprio de Lucas). Para esta autora isto ocorreu devido ao fato de que “a maior parte
das variantes parecem tentativas de “domesticar o texto”, posto que muitos
elementos da perícope eram inquietantes11”.
[...] Embora alguns biblistas tenham tentado fundamentar a autoria
joanina desta passagem, a evidência contra é esmagadora. Esses
autores sustentam que o relato pertencia originalmente ao evangelho
de João, mas foi omitido nos manuscritos primitivos. O problema com
esta teoria é que não leva em conta que os escribas não costumam
omitir passagens extensas por “prudência moral”. A maioria dos
biblistas [está] de acordo que a passagem não é de João e não fazia
parte do seu evangelho. Contudo, o fato de a perícope não ser
originariamente joanina não deveria ser uma razão para que não
fosse estudada num comentário ao evangelho de João. Tal atitude
estaria passando por alto a questão canônica e redacional. A
perícope é um texto canônico e atualmente faz parte do evangelho 12.
Conti também declara que “Jerônimo, discípulo de Dídimo, tinha
incluído a perícope em sua Vulgata, defendeu a autenticidade da perícope dizendo
que a tinha encontrado em muitos manuscritos gregos e latinos 13”.
Outra perspectiva relevante para esta pesquisa é apresentada por
Stan Slade (1998), autor argentino para o qual toda conjuntura de variações dos
manuscritos apontam para a riqueza da mensagem teológica contida no texto e sua
8
RYLE, J. C. Comentário Expositivo do Evangelho Segundo João. Tradução de Domingos Ribeiro.
São Paulo: Imprensa Metodista, 1957, p. 112.
9
BOOR, Werner de. Evangelho de João I: comentário esperança. Tradução Werner Fuchs. Curitiba:
Evangélica Esperança, 2002, p. 201.
10
KONINGS, Johan. João: a bíblia passo a passo. São Paulo: Loyola, 1997, p. 8.
11
CONTI, Cristina. O Mistério do Texto Elusivo: João 7,53-8,11. In: As mulheres e a Violência
Sexista. Revista de Interpretação Bíblica Latino-Americana. Nº41. Petrópolis: Vozes, 2002, p. 104.
12
CONTI, 2002, p. 109.
18
importância para os primeiros cristãos os quais conservaram a mensagem através
da tradição oral:
[...] O que se pode dizer frente a tantos dados variados? Obviamente,
a passagem existiu como peregrina: foi de lugar em lugar, buscando
onde encaixar-se. Isto mostra uma importante verdade: a igreja
reconhecia esta passagem como figura de seu Senhor. Por isso,
membros da igreja se esforçaram por colocá-la nos escritos
canônicos. Por tanto, a passagem merece nossa atenção como parte
da revelação de Deus reconhecida pela comunidade da fé. Por outro
lado, nenhum dos quatros evangelistas achou como incluir o texto
em seu próprio relato. Foi parte da tradição oral sobre os ditos e
feitos de Jesus que circulavam na igreja antes de se escreverem os
Evangelhos. Foi acrescentado por cristãos piedosos que não
queriam que se perdesse esta pérola da tradição oral14.
Diante disto, o mais importante é destacar que apesar das
controvérsias a respeito de sua redação, a mensagem é parte do cânon cristão e
possui lições sobre os ensinamentos de Jesus.
Para a análise a seguir utilizar-se-á Wegner e Berger para
comentários do texto de São João 7:53- 8:11.
1.2.2 Forma literária
De acordo com Wegner o texto de João 8:1-11 é classificado de
apotegma, uma das categorias dos gêneros narrativos denominados paradigmas.
Paradigmas são pequenas histórias que se concentram em torno de
um ou mais palavras de Jesus. A designação “paradigmas” foi
empregada por Dibelius, por se tratar, segundo ele, de narrativas que
originalmente eram usadas como ilustrações, ou seja, exemplos (=
paradigmas) para a pregação nas primeiras comunidades. [...]
Bultmann as designou de [...] sentença; em português: pela sua
semelhança com histórias curtas de filósofos ou santos, que
igualmente culminavam em breves sentenças. [...] Berger, por último,
emprega a designação créia (do grego xpei& = uso, emprego),
sinalizando o emprego de determinado dito para um caso
concreto15”.
13
CONTI, 2002, p. 107.
SLADE, Stan. Comentário Bíblico Ibero Americano. Evangelio de Juan: introducción y comentário.
Buenos Aires: Kairos Ediciones, 1998, p. 165. (Tradução Minha)
15
WEGNER, 2007, p. 184.
14
19
Além disso, Eduardo Schick16 afirma que a forma e o gênero dos
apotegmas/paradigmas já existiam na literatura grega e judaica antes das
comunidades primitivas cristãs e foram por estas apropriadas.
Bultmannn subdividiu os apotegmas ou paradigmas em duas
categorias: 1) controvérsias e diálogos didático e 2) apotegmas
biográficos. As controvérsias e os diálogos didáticos apresentam
Jesus em discussão com outras pessoas. [...] Os apotegmas
biográficos caracterizam-se por apresentar dados interessantes
sobre a biografia de Jesus, muitas vezes oferecidos por ele próprio,
através de palavras ou ações17.
No texto analisado o que se ressalta são os apotegmas biográficos
citados por Wegner, sendo que suas características revelam questões importantes
sobre a biografia de Jesus e se concentra mais nas experiências da vida peculiar de
Cristo. Além disso, centra-se num dito de Jesus. Para este autor “Em comparação
com as controvérsias ou diálogos didáticos, os apotegmas biográficos costumam
apresentar mais detalhes da situação e dos personagens envolvidos 18”.
Berger define o termo “créia” para designar “uma fala ou ação
ocasionada na vida de uma pessoa importante pela situação, mas transcendendo-a.
Causa e reação andam sempre juntas. E, já que a causa e a situação que resultam
da vida da pessoa, a créia tem a tendência natural de se tornar material de
construção para o gênero “biografia” 19”.
Ainda destaca-se que “o que resulta da situação pode ser uma fala;
aí se usa o termo “creia verbal” [...]20. As créias podem ter várias formas: as
clássicas possuem aspectos de sentença, e eram também usadas sobretudo em
citações de Homero como também foram apropriadas pelos judeus, por outro lado o
autor afirma que existe uma “novidade em comparação com a créia pagã clássica é
a combinação de créias com repreensões 21”.
Para este autor, o apotegma é um subgênero do créia, e também
para ele as creias dos evangelhos abordam principalmente problemas internos das
comunidades, mas podem trazer também apontamentos sobre:
16
Schick, Eduardo. Apud WEGNER, Uwe. Exegese do Novo Testamento: manual de metodologia.
São Leopoldo: Sinodal: São Paulo: Paulus, 5ª edição, 2007, p. 189.
17
WEGNER, 2007, p. 184.
18
WEGNER, 2007, p. 185.
19
BERGER, 1998, p. 78.
20
BERGER, 1998, p. 78.
20
Problemas externos da comunidade: as discussões de Jesus com
grupos judaicos, sobretudo com os fariseus, têm nos evangelhos,
indubitavelmente, não apenas significado histórico, mas devem
refletir a discussão central com os fariseus da diáspora [...] em todo
caso, a comunidade luta aqui com o grupo que tinha mais autoridade
no judaísmo religioso fora da Palestina, isto é, na diáspora. As
chamadas disputas não passam de creias em que se responde às
objeções críticas da parte dos adversários. Em parte têm caráter
defensivo, apologético [...] em outra parte, porém seu tom é
agressivo, o que se manifesta na combinação de creia e repreensão
(uma novidade na história das formas), por exemplo, em João 8:11122.
Sobre os Grupos de créias, estes também possuem diversos
aspectos, aqui cabe ressaltar o elemento ligado ao texto escolhido para análise,
como aquele que tem “um artifício predileto, que realça a competência e a
autoridade do mestre” ou a função semelhante com “respostas críticas do mestre em
forma de outra pergunta”. No caso do texto de João 8:1-11 Jesus devolve a pergunta
ou melhor, a resposta a seus opositores. Berger classifica este texto como inserido
nas “perguntas de adversários” e créia em que “o “eu” de quem fala domina sua
resposta”, explicitando seu caráter biográfico, Jesus concede uma explicação da
missão e não condena a mulher adúltera23”. Assim, pode-se afirmar que Jesus
demonstra que Ele é quem tem competência para julgar. Não obstante, mostra
misericórdia e oferece uma oportunidade para mulher fazer mudança em sua vida.
Além disso, o tipo de créia que o episódio da mulher adúltera indica
é que “o sentido de toda a perícope é mostrar que a oposição religiosa contra os
fariseus é igual a zero, e que o importante é uma oposição na vida prática24”. O autor
ainda faz uma crítica ao método de Bultmann, o qual não será aqui analisado.
Cabe ressaltar que para Berger o décimo primeiro versículo da
perícope apresenta uma admonição pós-conversão a qual significa que os
personagens “[...] são exortados a se comportar de acordo com a conversão já
realizada25”. Tais estilos lingüísticos neo-testamentários são caracterizados pelo
termo “não mais” (gr. mhke,ti méketi)26.
21
BERGER, 1998, p. 85.
BERGER, 1998, p. 84.
23
BERGER, 1998, p. 86 e 87. Todas as citações deste parágrafo encontram-se nestas páginas.
24
BERGER, 1998, p. 84.
25
BERGER, 1998, p. 122.
26
BERGER, 1998, p. 123.
22
21
Desta forma, pode-se apontar que Jesus revela elementos
profundos sobre sua biografia, sabedoria, identidade e amor, bem como
características de seus oponentes.
1.2.3 Estrutura
I.
Introdução: nos vv. 1-2, o cenário aponta para a devoção de Jesus em
oração no monte das Oliveiras, bem como sua dedicação em ensinar o
povo.
II.
A atitude dos escribas e fariseus: nos vv.3-6, os religiosos entram em cena
numa atitude maliciosa para apanhar Jesus em falta contra a Lei Romana
ou contra a Lei Judaica. Eles praticam indiscriminadamente violência
contra a mulher, e estão dispostos a ratificarem um possível assassinato
com apedrejamento.
III.
A reação de Jesus: no v. 6 Jesus escreve na terra com o dedo.
IV.
A insistência dos religiosos: o v. 7 mostra a persistência dos escribas e
fariseus em realizar suas intenções malévolas.
V.
O posicionamento de Jesus: ainda no v. 7 Jesus faz uma afirmação
surpreendente e devolve a problemática aos seus opositores.
VI.
A reação dos acusadores: o v. 9 mostra que os religiosos acusados pela
própria consciência um por um deixam o local, começando pelos mais
velhos.
VII.
Desfecho: os vv.10-11 aponta para a cena final em que a mulher e Jesus
ficam sozinhos e Jesus lhe concede uma nova oportunidade de
transformação. “E agora vai e não peques mais”, v.11.
1.3 Análise Contextual
A análise contextual da perícope envolve conhecer o contexto
literário teológico, o contexto sócio histórico e o texto com sua finalidade no
contexto. Inclui, ainda, verificar como o Evangelho estudado se desenvolveu, em
22
quantos blocos e a relação do texto pesquisado com o bloco. Diversos fatos
relacionados com Jesus foram conservados de forma oral, enquanto que outros
foram anexados em ciclos de controvérsias, milagres, parábolas ou narrativas mais
extensas. Tal processo se fez necessário tanto para conservar e sistematizar as
tradições evangélicas quanto para adequá-las à vida da comunidade. Desta forma,
os textos passaram por etapas de transmissão dentro das primeiras comunidades 27.
1.3.1 Contexto literário teológico
Para Wegner o “princípio que rege a análise teológica pode ser
expresso com palavras de John Bright”:
[...] uma exegese que não se contenta meramente em extrair o
significado verbal preciso do texto, mas que vai mais além para
descobrir a teologia que informa o texto. [...] todos os textos bíblicos
expressam teologia no sentido de que todos estão animados, mesmo
que indiretamente, por uma preocupação teológica. Cabe ao
intérprete tratar de descobrir qual era a intenção. (do autor)28
De acordo com Myers, para se obter o significado de uma perícope é
preciso localizá-la no relato em que se situa, para que se tenha uma visão da
estrutura geral do evangelho. “As duas suposições sobre a discussão literária do
texto pode ser apontada como: 1) Relação entre forma e conteúdo como base para
interpretação, 2) Todo pormenor narrativo tem uma teleologia 29”. Como dito nos
apontamentos de aula são considerados critérios literários fundamentais “(os
sumários, as relações das pessoas que intervém, os anúncios e a mudança de
forma literária), critérios complementares (a topografia e a cronologia) e os critérios
teológicos (os temas que aparecem ao longo da obra) 30”. Apesar das considerações
que foram feitas a respeito das polêmicas que envolvem a perícope escolhida, esta
27
Baseado nos apontamentos de aula, 2009. Exegese do Novo Testamento, Prof. José Adriano Filho,
UNIFIL, setembro de 2009.
28
WEGNER, 2007, p. 297.
29
MYERS, Ched. O Evangelho de São Marcos. Apontamentos de aula, 2009. Exegese do Novo
Testamento, Prof. José Adriano Filho, UNIFIL, setembro de 2009.
23
permanece inserida no evangelho de João. Portanto, será analisada no contexto
deste evangelho, o qual foi eleito como lugar canônico viável. Assim, a seguir, se
transcreve a divisão dos indícios temáticos do Evangelho de João apontadas por
Champlin31 [19--] como um esboço do conteúdo trabalhado na totalidade do
evangelho:
I. Prólogo: (1:1-18) aponta a Palavra, o Logos, o Cristo preexistente, a Encarnação.
II. João Batista e suas relações para com Jesus: (1:19-51).
III. Revelação de Jesus na Judéia, na Galiléia e na Samaria: (2:1-4:54) com os
seguintes acontecimentos – O casamento em Caná (2:1-11); a purificação do
Templo (2:12-22); a primeira páscoa (2:23-25); o episódio de Nicodemos e o novo
nascimento (3:1-21); o testemunho de João Batista (3:22-30); o testemunho do alto
(3:31-36); Jesus e a mulher samaritana (4:1-26); Jesus e os samaritanos (4:27-42);
Jesus e os galileus - o filho do oficial (4:43-54).
IV. Diversos Sinais e Controvérsias: (5:1-9:41) sistematizados em treze partes –
Cura de um aleijado e a controvérsia sobre o sábado (5:1-18); unidade do Pai e do
Filho: o Filho dá vida (5:19-47); o pão da vida: a multiplicação é alimentada (6:1-15);
Jesus anda sobre o mar (6:16-21); em Cafarnaum: discurso na sinagoga (6:22-59); a
prova da fé (6:60-71); a festa dos Tabernáculos (7:1-14); mais controvérsias (7:1524); tentativa para aprisionar a Jesus (7:32-36); Jesus e a mulher adúltera (7:538:11); Jesus é a Luz do mundo (8:12-20); controvérsia sobre a autoridade de Jesus
(8:21-59) e a cura do cego (9:1-41).
V. Prelúdio ao Fim do Ministério Público de Jesus: (10:1-11:57) com os episódios do
bom Pastor (10:1-18); a festa da Dedicação (10:19-40) e a ressurreição de Lázaro
(11:1-57).
VI. Fim do Ministério Público de Jesus: (12:1-50) com a unção em Betânia (12:1-8);
os perigos (12:9-11); a entrada triunfal em Jerusalém (12:20-26); os gregos
procuram a Jesus (12:20-26); agonia de Jesus e a voz do céu (12:27-36); a rejeição
de Jesus (12:36-43) e julgamento mediante a Palavra (12:44-50).
VII. No Cenáculo: (13:1-16:33) acontece o lava-pés (13:1-20); a predição da traição
(13:21-30); o discurso da despedida – novo mandamento, predição da negação de
30
Apontamentos de aula, 2009. Exegese do Novo Testamento, Prof. José Adriano Filho, UNIFIL,
setembro de 2009.
24
Pedro, o Caminho, a Verdade e a Vida, o Consolador, a paz e a alegria (13:3114:31) e a continuação do discurso de despedida – a vinha, a comunhão e o amor, o
ódio do mundo, ensinamentos sobre o Consolador e a vitória sobre o mundo (15:116:33).
VIII. Oração Sumo Sacerdotal: (17:1-26).
IX. Do Getsêmani ao Calvário: (18:1-19:42) ocorre o aprisionamento (18:1-11); o
julgamento ante o sumo sacerdote e a negação de Pedro (18:12-27); Jesus na
presença de Pilatos (18:28-19:16) e a crucificação e sepultamento de Jesus (19:1742).
X. A Ressurreição e os Aparecimentos de Jesus: (20:1-25) em que se discorra sobre
o Jesus ressurreto (20:1-29); explica o porquê foi escrito o evangelho de João
(20:30,31); e finalmente o epílogo: com a aparição de Jesus à beira do lago;
restauração de Pedro e conclusão (21:1-25).
A perícope aqui estudada situa-se na quarta parte da divisão feita
por Champlin, entre as tentativas para se aprisionar Jesus (7:32-36) e a declaração
de que Jesus é a Luz do mundo (8:12-20). Segue ainda alguns apontamentos a
respeito do capítulo 7:45-52 feitos por Battaglia e Niccacci (2000). Para estes, “o
trecho apresenta um diálogo, cuja estrutura é assinalada pelo suceder-se dos vários
interlocutores: os fariseus (v.45), os guardas (v.46), os fariseus (v.47-49), Nicodemos
(v.50-51), os fariseus (v.52). [...] a narração se liga expressamente ao v.3232”, o
significado deste diálogo é o desprezo dos fariseus ao povo comum em
contraposição aos sacerdotes, escribas e fariseus os quais são os instruídos da lei.
Cabe ressaltar esta parte, devido ao fato de que no cenário da “mulher adúltera”
aparecerão novamente os fariseus com suas artimanhas. Também em João 8:12-20
o texto mostra Jesus como Luz para aqueles que andam em trevas, e novamente
Jesus é objetado pelos fariseus. Desta forma, pode-se ver a perícope da “mulher
adúltera” num contexto lógico de intenção teológica.
31
CHAMPLIN, Russel Norma. O Novo Testamento Interpretado: versículo por versículo. Vl II. Lucas e
João. São Paulo: a Voz Bíblica, [19--]. p. 260 e 261.
25
1.3.2 Contexto sócio histórico
O contexto sócio-histórico envolvia aspectos políticos, religiosos,
existenciais e apocalípticos.
O nível político-social envolvia a submissão a Roma, uma realidade
dura, com agravantes na área econômica para todo povo. Ademais,
a dominação a Roma não era um episódio a mais na longa lista de
submissões a potências estrangeiras (Babilônia, Pérsia, Grécia,
Egito, Síria), mas havia interrompido um período de liberdade que os
judeus tiveram posterior à guerra dos macabeus. As lutas de
partidos, em algumas ocasiões, também provocaram guerras civis.
Submissão a uma potência exterior e tensões internas faziam com
que o povo judeu vivesse época de inquietação e
descontentamento33.
Nesta pesquisa serão delimitados somente apontamentos sobre
elementos envolvendo a pena de morte, a lei judaica sobre adultério, a realidade dos
escribas e fariseus e a posição legal e social das mulheres no mundo romanojudaico.
A pena de morte pode ser visualizada em “todas as civilizações précristãs de que possuímos testemunhos escritos 34”; era prática comum nos costumes
e prescrições jurídicas dos povos. Também fez parte do pragmatismo romano:
[...] Entre as Determinações das XII Tábuas, encontramos pelo
menos dez sentenças de morte. [...] Era aplicada com excessiva
frequência contra os que cometiam crimes contra a propriedade
privada e, também, contra os dissidentes políticos. Mais tarde, ainda
se acrescentaram os delitos contra o Estado. [...] Nessa mesma pena
incorriam também os adúlteros [...] As técnicas romanas mais
populares da execução de um réu eram o esquartejamento, o atirá-lo
no despenhadeiro rochoso de Tarpéia, a decapitação, o
estrangulamento dentro do próprio cárcere e a crucificação pública
da maneira como foi feita a crucificação de Cristo 35.
No contexto judaico entre as leis sobre castidade e casamento, a lei
sobre o adultério disciplinava que:
32
BATTAGLIA, Oscar e NICCACCI, Alviero. Comentário ao Evangelho de São João. Tradução de Pe.
Ney Brasil Pereira. 3º ed. Petrópolis: Vozes, 2000, p. 138.
33
Apontamentos de aula, 2009. Exegese do Novo Testamento, Prof. José Adriano Filho, UNIFIL,
setembro de 2009, p. 21.
34
BLÁZQUEZ, Niceto. A Pena de Morte.Tradução Georges I. Maissiat.São Paulo: Paulus, 1998, p. 8.
35
BLÁZQUEZ et al., 1998, p. 10.
26
“Se um homem adulterar com a mulher do seu próximo, será morto o
adúltero e a adúltera” (Levítico 20:10)36.
Se um homem for achado deitado com uma mulher que tem marido,
então, ambos morrerão, o homem que se deitou com a mulher e a
mulher; assim, eliminarás o mal de Israel. Se houver moça virgem,
desposada, e um homem deitar com ela, então, trareis ambos à porta
daquela cidade e os apedrejareis até que morram; a moça, porque
não gritou na cidade, e o homem, porque a humilhou a mulher de seu
próximo; assim eliminarás o mal do meio de ti” (Deuteronômio 22:2224)37.
Desta forma, a Lei de Moisés era extremamente rígida e severa. Não
obstante este ordenamento “a tradição diz que no ano 30 os romanos tiraram do
Sinédrio o direito de impor a pena capital 38”.
A respeito dos fariseus Buckland39 aponta que o sentido da palavra
significa separado. “Apesar de não se saber ao certo quando é que os fariseus
apareceram, sabe-se que estão ligados aos Macabeus e Asmoneus, por volta do
ano de 173 a.C40”.
[...] Separavam-se de todos os outros judeus, aspirando mais do que
uma simples santidade e exato cumprimento de deveres religiosos:
mas a sua separação consistia principalmente em certas distinções a
respeito do alimento e de atos rituais. A maior parte das vezes isso
era apenas exterioridade religiosa, sem profundeza de religião 41.
Para Kurt (1979), apesar da perspectiva histórica apontar o
surgimento dos fariseus para o século II a.C, o farisaísmo enquanto “continuação de
uma tradição criada na comunidade42” pela busca da execução da Lei, pode ser
vista desde o século IV a.C com profundas bases no Antigo Testamento. Também
relata várias histórias de fariseus fiéis a Lei, e critica a visão unilateral apresentada
no Novo Testamento. Não obstante, devido à limitação desta pesquisa, se apontará
apenas quem eram os fariseus à época de Jesus.
36
BÍBLIA. Português. Bíblia: João Ferreira de Almeida. Tradução Revista e Atualizada no Brasil, 2ª
ed. Barueri, SP: Sociedade Bíblica do Brasil, 1988. p. 116.
37
BÍBLIA. Português. Bíblia: João Ferreira de Almeida. Tradução Revista e Atualizada no Brasil, 2ª
ed. Barueri, SP: Sociedade Bíblica do Brasil, 1988. p. 192.
38
CONTI, 2002, p. 113.
39
BUCKLAND, R. A. Dicionário Bíblico Universal. São Paulo: Vida, 1981. p. 157.
40
Grupos religiosos em <http://www.pre-seminario.net/docs/Biblia/Grupos_religiosos.doc> acessado
em 18/07/10.
41
BUCKLAND, 1981. p. 157.
42
SCHUBERT, Kurt. Os Partidos Religiosos Hebraicos da Época Neotestamentária. Tradução Isabel
Fontes Leal Ferreira. 3º ed; São Paulo: Paulinas, 1979, p. 52.
27
[...] Politicamente foi um grupo oportunista, pelo menos no tempo de
Jesus, quando aceitaram serem fiéis ao Imperador Augusto, por
imposição de Herodes Magno. Foi assim que perderam bastante da
sua autoridade moral e política junto do povo. Só depois do ano de
70, após a derrocada de Jerusalém, e terminado o poder dos
saduceus e dos sacerdotes, é que os fariseus voltaram a dominar o
mundo judaico e a salvar Israel de perder a sua identidade religiosa,
em confronto com algumas das primeiras comunidades cristãs 43.
Já sobre os escribas, Buckland indica o significado da palavra como
escritor:
[...] Antes do cativeiro empregava-se esta palavra para significar a
pessoa que tinha certos cargos no exército [...]; e também se
chamava escriba o secretário do rei, constituindo este emprego, junto
das pessoas reais uma alta posição. [...]. Na história judaica dos
tempos mais modernos os escribas são os intérpretes ou copistas da
lei. [...] A maior parte das vezes eles são mencionados juntamente
com os fariseus, certamente pelo fato de mostrarem a mesma atitude
para com a lei e o mesmo formalismo na vida religiosa. [...] Os
ensinamentos de Jesus eram de tal modo opostos ao formalismo dos
escribas, que não admira a sua hostilidade para com o nosso
Salvador44.
A respeito da posição das mulheres no contexto bíblico, cabe citar a
obra “Vida Cotidiana nos Tempos Bíblicos” em que os autores pontuam:
[...] É justo dizer que o Israel bíblico achava que os homens eram
mais importantes do que as mulheres. O pai ou o homem mais idoso
da família tomava as decisões que afetavam todo o grupo familiar, ao
passo que as mulheres tinham muito pouco que dizer sobre elas.
Esta forma patriarcal (centrada no pai) de vida em família
determinava como as mulheres eram tratadas em Israel45.
Sobre o ponto de vista legal, a mesma obra apresenta que a
“posição legal da mulher, em Israel, era inferior à do homem46”. Não obstante,
possuíam alguns direitos.
[...] Por exemplo, o homem podia divorciar-se da esposa “por ter ele
achado coisa indecente nela”, mas à esposa não era permitido
divorciar-se do marido por nenhuma razão. [...] A Lei declarava que a
43
Grupos religiosos em <http://www.pre-seminario.net/docs/Biblia/Grupos_religiosos.doc> acessado
em 18/07/10.
44
BUCKLAND, 1981. p. 140.
45
PACKER, James; TENNEY, Merrill; WHITE e Willian. Vida Cotidiana nos Tempos Bíblicos.
Tradução de Luiz Aparecido Caruso. 6ª ed. Miami: Vida, 1995, p. 23.
46
PACKER et al., 1995, p. 25.
28
esposa suspeita de ter relações sexuais com outro homem devia
fazer prova de ciúmes (Números 5:11-31). Contudo, não havia prova
alguma para o homem suspeito de infidelidade com outra mulher. [...]
O homem e a mulher apanhados no ato de adultério deviam ambos
morrer apedrejados (Deuteronômio 22:22). (É interessante notar
neste ponto que quando os fariseus arrastaram uma adúltera à
presença de Jesus com a intenção de apedrejá-la, eles próprios já
haviam quebrado a lei deixando que o homem escapasse – João 8:311). [...] Outras leis hebraicas ofereciam proteção às mulheres. Se o
homem tomasse uma segunda esposa, ele ainda era obrigado, pela
lei, a alimentar e vestir a primeira esposa, e continuar a ter relações
sexuais com ela (Êxodo 21:10). [...] Qualquer homem culpado do
crime de estupro devia ser morto por apedrejamento (Deuteronômio
22:23-27)47.
Sobre a perspectiva romana em relação às mulheres aponta-se:
O modelo patriarcal dominou a organização familiar primitiva. As
famílias [...] patriarcais ou monogâmicas retiraram, aos poucos, o
poder, a herança e os direitos civis da mulher e a família da Roma
antiga não diferiu deste modelo. [...] A expressão família, neste
contexto, servia para designar a relação de hierarquia e não a
instituição que hoje se reconhece como tal. A estrutura da família
romana designava à mulher uma posição absolutamente
desfavorável nas relações de poder. O pater famílias era o chefe e
senhor e a ele se submetiam mulher, filhos, noras, escravos etc. [...]
A condição da mulher na Roma antiga, assim, era de dependente, de
subordinada e de incapaz, alieni iuris que era. Seu papel era de
franca inferioridade em relação ao homem: sujeita à potestas de seu
pai, tutor ou irmão, se não fosse casada; sujeita à manus do marido,
se casada fosse e, na remota hipótese de ser sui iuris, sujeita à tutela
perpétua48.
Jesus estabelece uma grande novidade em relação à realidade de
seu contexto:
[...] À época do Novo testamento, as mulheres judias já não
participavam ativamente no culto do templo ou da sinagoga. Embora
houvesse uma área especial no templo conhecida como “Pátio das
mulheres”, não lhes era permitido entrar no pátio interior. [...] Na
igreja primitiva cristã revela-se um quadro diferente. Lucas 8:1-3
mostra que Jesus recebeu algumas mulheres como companheiras de
viagem. Ele incentivou a Marta e a Maria a sentar-se a seus pés
como discípulas (Lucas 10:38-42). O respeito de Jesus pelas
mulheres era algo surpreendentemente novo49.
47
PACKER et al, p. 25 e 26.
PINHO, Leda de. A Mulher no Direito Romano: noções históricas acerca de seu papel na
constituição da entidade familiar. Monografia apresentada ao Curso de Pós-graduação em Direito
Civil da Universidade Estadual de Maringá - UEM. In: Revista Jurídica Cesumar – v.2, n. 1 – 2002,
p.287.
49
PINHO, 2002, p. 27 e 28.
48
29
Desta maneira, Jesus valoriza a mulher tanto no contexto romano
quanto no judaico, manifesta os princípios do reino de Deus na terra e inverte os
valores sociais vigentes naquele momento histórico:
[...] Jesus antecipa a realidade do reino de Deus acolhendo os seus
futuros membros: pecadores, coletores de impostos e prostitutas,
gente simples, inclusive os menos preparados. No convite de Jesus
estão incluídas também as mulheres [...] Elas se enquadram na
categoria de pessoas marginalizadas, às quais Jesus dirigiu a
mensagem do reino de Deus50.
Jesus outorga à mulher desprezada e marginalizada na sociedade
um novo status, como sujeito de sua história, responsável por seus atos e capaz de
fazer escolhas.
1.3.3 O texto e sua função no contexto
A perícope mostra como a perspectiva de Deus é diferente da do ser
humano. A valorização da vida humana, pela consideração dada por Jesus à
mulher, supera o legalismo e a rigidez da Lei. Embora não aprovasse a atitude da
mulher, Jesus tampouco aprovou a atitude dos seus opositores.
Diante do contexto de ensinamento, pode-se aferir que Jesus
demonstrou aos cristãos a necessidade de entender a Nova Lei, a Lei do amor.
Além disso, a ação de Jesus, cheia de misericórdia, contrasta com o comportamento
de seus opositores. Ele traz à luz a mais profunda das intenções humanas e
descobre o pecado interior, que, ao contrário do pecado externo, pode ser medido
somente pelo Senhor de todas as coisas. O texto deixa claro que o pecado é uma
realidade que engloba todos os seres humanos. Isto significa que a religião não
pode fazer o ser humano de fato livre, mas, sim, o verdadeiro encontro com Jesus,
que liberta e transforma a vida.
Jesus também demonstra sua capacidade enquanto Mestre, sua
sabedoria inigualável e revela traços de sua biografia. Ali está quem é maior que a
Lei de Moisés - o próprio Senhor Jesus, aquele que pode perdoar pecados.
50
Apontamentos de aula, 2009. Exegese do Novo Testamento, Prof. José Adriano Filho, UNIFIL,
setembro de 2009, p. 21.
30
1.4 Análise de Conteúdo do Evangelho de São João 7:53-8:11
De acordo com Wegner, “a análise de conteúdo é considerada, com
razão, “o coração” da exegese51”. Para ele:
Seu interesse precípuo se encontra na resposta a três perguntas
básicas: 1) O que está escrito no texto? 2) Como entendê-lo? e 3) O
que implica?. Além disso, as perguntas fundamentais a serem
respondidas também podem de acordo com o autor serem assim
dispostas: 1) Que conteúdo apresenta o texto? 2) Que significados
tinham estes conteúdos na época da sua formulação? 3) Como e
com que significados são usados dentro do texto? 4) Como querem
ser entendidos e interpretados na perspectiva dos seus
formuladores? e 5) O que o conteúdo do texto como unidade de
sentido quer destacar? Qual é sua intenção maior? Qual seu objetivo
último?52.
1.4.1 Comentário Introdutório vv.1-2 (e consideração sobre o 7:53)
Para Champlin a respeito de 7:53 e 8:1 “a divisão do texto sagrado
por capítulos foi feita erroneamente, porquanto as duas declarações [...] se
completam entre si, não devendo aparecer divididas em nossas Bíblias 53”.
[...] Pela natureza dessas declarações, concluímos que alguma
discussão entre Jesus e as autoridades religiosas, ou entre Jesus e o
povo, antecedera esta narrativa, e que pouco depois cada qual partiu
para sua própria moradia. Mas, fazendo contraste com seus
opositores, Jesus se retirou para passar a noite ao ar livre. Supomos
que o motivo de Cristo, pelo menos parcial, era que ele desejava
entregar-se ao exercício da oração [...]54.
Além disso, “o monte das Oliveiras é uma pequena serra
montanhosa, que incorpora quatro picos, o mais elevado dos quais fica a oitocentos
e trinta metros acima do nível do mar, dando frente para Jerusalém e para o monte
onde foi edificado o templo55”. Jesus também aproveitava as oportunidades para
ensinar ao povo sua doutrina maravilhosa.
51
WEGNER, 2007, p. 248.
WEGNER, 2007, p. 248.
53
CHAMPLIN, [19--] p. 397.
54
CHAMPLIN, [19--] p. 397.
55
CHAMPLIN, [19--] p. 397.
52
31
1.4.2 A atitude dos escribas e fariseus vv. 3-6:
Para Champlin a mulher foi trazida até Jesus “violentamente, e a
desgraçaram diante de todos quantos ouviam as instruções dadas por ele 56”.
Também os fariseus eram conhecedores da lei exterior, mas nada entendiam da
necessidade da misericórdia interior, ensinada por Jesus. “Tinham pouco ou nenhum
respeito pelos sentimentos alheios e davam ínfimo valor a uma alma 57”.
A
verdadeira intenção dos opositores era criar um motivo para acusar Jesus, como
ratifica Halley (2006):
[...] os fariseus fizeram uma tentativa de apanhar Jesus na resposta
que desse. Se dissesse que a mulher devia ser apedrejada, teria
entrado em conflito com a lei romana, que não permitia aos judeus
executar a pena capital. Por outro lado, se declarasse que a mulher
devia ser solta, seria acusado de mandar violar a Lei dada por
Moisés58.
Jesus era uma “ameaça para o poder político e religioso 59” e por isso
tentavam assassiná-lo. Para os escribas e fariseus suas motivações eram tão fortes
que se utilizavam da violência para conseguirem realizar seus planos.
O fato de chamarem Jesus de Mestre demonstra que os escribas e
fariseus “o consideravam um igual, alguém de seu nível. Não se deve esquecer que
a contenda pela honra é uma interação social que só se joga entre iguais. Desafiar
um inferior seria algo indigno [...] e um superior seria uma insensatez60”.
Nos dias de Jesus, o adultério já era algo comum, e a acusação
somente era válida legalmente se houvesse pelo menos duas testemunhas, como é
dito em Deuteronômio 19:15 “Uma só testemunha não se levantará contra alguém
por qualquer iniqüidade ou por qualquer pecado, seja qual for que cometer; pelo
depoimento de duas ou três testemunhas, se estabelecerá o fato 61”. No caso de um
marido que suspeitasse da própria mulher, o testemunho dele era plenamente
suficiente como peça de acusação.
56
CHAMPLIN, [19--] p. 398.
CHAMPLIN, [19--] p. 398.
58
HALLEY, Henry Hampson. Manual Bíblico de Halley. São Paulo: Vida Nova, 2001, p. 556.
59
CHAMPLIN, [19--] p. 398.
60
CONTI, 2002, p. 113.
57
32
[...] A lei referente ao adultério era realmente muito severa,
porquanto, de acordo com as passagens de Lev. 20:10 e Deut.
22:22, nesse caso ambos os indivíduos envolvidos no caso deveriam
ser condenados à morte. Ora, o trecho de Deut. 22:23, 24 especifica
a morte por apedrejamento para o caso especial de adultério em que
a mulher fosse virgem, comprometida com outro homem 62.
Além disso, “alguns estudiosos supõem que a conexão desse
incidente com a narrativa da festa dos Tabernáculos é autêntica, e que essa festa,
sento ocasião de intenso júbilo, quando muito vinho era consumido por grande
número de pessoas63” se tornaria comum perder o controle. Desta forma, devido à
bebedeira oportunizava-se a ocasião para a prática do adultério, bem como alguma
tenda serviria de leito, e sem muitos cuidados o ato seria descoberto com facilidade.
Na análise deste episódio sobre a ótica da violência de gênero, Conti
afirma:
[...] A mulher é trazida, posta no meio do grupo, acusada, usada para
provar um ponto da lei, usada como cilada. Os próprios verbos
denotam sua condição de objeto: a trazem, põem, deixam. Não tem
voz nem nome [...] Na cultura mediterrânea, a honra das mulheres
era seu sentido de vergonha [...] Refere-se a ser sensível ao que os
outros pensam e falam com respeito ao seu valor como mulher; é a
sensibilidade de sua própria reputação. A desonra maior para uma
mulher era ser considerada uma desavergonhada64.
A forma como os acusadores falam com Jesus denota “como se a
pena por adultério se aplicasse só às mulheres”. Eles “chegam a empregar
exclusivamente um pronome feminino ao dizer: “na lei, Moisés nos ordenou
apedrejar as tais65”.
[...] A ausência do amante torna-se ainda mais tremenda diante de tal
violência só contra a mulher. O que está em jogo aqui é muito mais
grave do que uma simples contenda de honra. Estão em fogo uma
vida humana e a própria justiça66.
61
BÍBLIA. Português. Bíblia: João Ferreira de Almeida. Tradução Revista e Atualizada no Brasil, 2ª
ed. Barueri, SP: Sociedade Bíblica do Brasil, 1988. p. 190.
62
CHAMPLIN, [19--] p. 398.
63
CHAMPLIN, [19--] p. 398.
64
CONTI, 2002, p. 112.
65
CONTI, 2002, p. 113.
66
CONTI, 2002, p. 113.
33
1.4.3 A reação e o posicionamento de Jesus X a insistência e reação dos
opositores (vv. 6, 7 e 9)
Variadas interpretações têm sido sugeridas para de explicar a
atitude de Jesus diante de tão grave acusação:
1) Jesus ignorou os acusadores; 2) Jesus teria agido assim por ter
ficado embaraçado por causa da mulher; 3) [...] Esperava que a
pausa momentânea criasse nos homens alguma consciência; 4) [...]
Teria escrito acusações contra aqueles acusadores da mulher; 5) [...]
não afirmava ser intérprete da lei, à semelhança deles [...] e 6)
Alguns comentadores acreditam [...] que ele rejeitava o ofício de
juiz67.
Apesar destas sugestões, nada se pode realmente afirmar sobre o
que Jesus “teria escrito no chão68”.
Para Comblin “ordinariamente, o método judaico de apedrejamento
era levado a efeito pondo-se o culpado, meio despido e de mãos atadas atrás das
costas, sobre um tablado a três ou quatro metros de altura69”. Como o culpado era
empurrado, este já morria com a queda, quando mesmo assim sobrevivia “então
uma grande pedra era lançada contra o condenado, a fim de esmagá-lo70”.
Os escribas e fariseus desejavam levar a cabo suas intenções
contra Jesus, mesmo através da mais vil brutalidade. Eles “não aceitam a recusa do
seu desafio, nem talvez entendam a primeira ação simbólica de Jesus, e insistem
em sua pergunta71”.
[...] Jesus ergue-se (anekypsen), mas não se põe de pé, continua
sentado, na posição de mestre. Por sua vez, lança um contradesafio
aos seus interlocutores: “Quem dentre vós estiver sem pecado, seja
o primeiro a lhe atirar uma pedra”. Um contradesafio é a melhor
resposta possível a um desafio. Ademais, esta frase de Jesus nivela
os pecados72.
À medida que os escribas e fariseus entendem que perderam o
contradesafio, eles se retiram a começar pelos mais velhos, os quais eram sempre
67
CHAMPLIN, [19--], p. 399.
CHAMPLIN, [19--], p. 399.
69
CHAMPLIN, [19--], p. 399.
70
CHAMPLIN, [19--], p. 399.
71
CONTI, 2002, p. 115.
68
34
considerados mais responsáveis dentro da cultura judaica e por possuírem maior
grau de entendimento do que acabara de ocorrer.
[...] Os escribas e fariseus vão se retirando um por um. Quando
entram em cena e quando falam, agem com um grupo; ao sair, saem
individualmente. Um por um se afastam, envergonhados, a começar
pelos mais velhos. Estes se retiram primeiro não porque sejam os
que, por terem mais anos de vida, pecaram mais, mas porque os
anos lhes deram mais experiência e mais sabedoria. Entendem logo
que perderam a contenda, que perderam a honra ante esse mestre a
quem procuravam fazer cair em cilada73.
1.4.4 Desfecho vv.10-11:
[...] O mestre dirige-se a ela e lhe faz perguntas. Já não é um objeto,
mas um sujeito. Não só pela absolvição final, mas pelo próprio
diálogo que estabelece com ela, Jesus a está transformando em
sujeito. Além do mais, está dando honra a ela. Nessa cultura
mediterrânea, Jesus, um superior por ser varão, e mais superior
ainda por ser mestre, honra a mulher ao dialogar com ela. [...] Não só
dá a mulher uma segunda oportunidade, também a torna
responsável pelo seu próprio futuro. Ela já não é mais um objeto,
levada e trazida por outros, mas um sujeito livre e responsável
perante Deus. [...] O que mais assombra nesta história é o
tratamento igualitário que Jesus dá aos varões “honrados” e à mulher
“desonrada”. Para Jesus, a mulher e seus acusadores são iguais. [...]
Talvez por isso a perícope tenha sido vista com tanta suspicácia,
como uma história que subverte a ordem social74.
Em lugar de reproduzir a cultura vigente de sua época, Jesus
estabelece uma contracultura com seus ensinamentos e atitudes. Jesus demonstra
qual é sua missão, ou seja, devolver a humanidade perdida aos seres humanos que
com Ele encontram-se, trazer salvação do pecado e da própria alienação de si
mesmo e de seu papel no mundo. Transformar a perspectiva de objeto manipulado
para um ser humano como sujeito histórico, inserido no tempo e no espaço, capaz
de decidir e de construir seu destino liberto do pecado. Trata-se de um chamado a
construção da sociedade em que Deus nos inseriu.
72
CONTI, 2002, p. 115.
CONTI, 2002, p. 115.
74
CONTI, 2002, p. 116.
73
35
1.5 Texto e Tradução
1.5.1 Texto em Grego com Tradução Literal João 7:53-8:11
João 7
53 ÎÎkai. evporeu,qhsan e[kastoj eivj to.n oi=kon auvtou/(
João 8
1 VIhsou/j de. evporeu,qh eivj to. :Oroj tw/n VElaiw/nÅ
2 :Orqrou de. pa,lin parege,neto eivj to. i`ero.n kai. pa/j o` lao.j h;rceto pro.j auvto,n( kai.
kaqi,saj evdi,dasken auvtou,jÅ
3 a;gousin de. oi` grammatei/j kai. oi` Farisai/oi gunai/ka evpi. moicei,a| kateilhmme,nhn kai.
sth,santej auvth.n evn me,sw|
4 le,gousin auvtw/|( Dida,skale( au[th h` gunh. katei,lhptai evpV auvtofw,rw| moiceuome,nh\
5 evn de. tw/| no,mw| h`mi/n Mwu?sh/j evnetei,lato ta.j toiau,taj liqa,zeinÅ su. ou=n ti, le,geijÈ
6 tou/to de. e;legon peira,zontej auvto,n( i[na e;cwsin kathgorei/n auvtou/Å o` de. VIhsou/j ka,tw
ku,yaj tw/| daktu,lw| kate,grafen eivj th.n gh/nÅ
7 w`j de. evpe,menon evrwtw/ntej auvto,n( avne,kuyen kai. ei=pen auvtoi/j( ~O avnama,rthtoj u`mw/n
prw/toj evpV auvth.n bale,tw li,qonÅ
8 kai. pa,lin kataku,yaj e;grafen eivj th.n gh/nÅ
9 oi` de. avkou,santej evxh,rconto ei-j kaqV ei-j avrxa,menoi avpo. tw/n presbute,rwn kai. katelei,fqh
mo,noj kai. h` gunh. evn me,sw| ou=saÅ
10 avnaku,yaj de. o` VIhsou/j ei=pen auvth/|( Gu,nai( pou/ eivsinÈ ouvdei,j se kate,krinenÈ
11 h` de. ei=pen( Ouvdei,j( ku,rieÅ ei=pen de. o` VIhsou/j( Ouvde. evgw, se katakri,nw\ poreu,ou( Îkai.Ð
avpo. tou/ nu/n mhke,ti a`ma,rtaneÅÐÐ
João 7
53 [E foram cada um para a casa dele,
João 8
1 Jesus [2] mas [1] foi para o monte das Oliveiras.
2 de madrugada [2] E [1] novamente foi para o templo e todo o povo vinha a ele, e
assentando-se (ele) ensinava a eles.
3 trazem [2] E[1] os escribas e os fariseus (uma) mulher em [2] adultério [3]
apanhada [1], e colocando a mesma em (o) meio
4 dizem a ele: Mestre, esta mulher foi apanhada em o próprio ato cometendo
adultério;
5 em [2] e [1] a lei a nós [2] Moisés [1] ordenou as [2] tais [3] apedrejar [1]. Tu pois
que dizes?
6 isto [2] mas [1] diziam tentando a ele, para que tivessem para acusar a ele. Mas
Jesus para baixo agachando-se, com o dedo escrevia em a terra.
7 como [2] Mas [1] continuavam perguntando a ele, ergueu-se e disse a eles: O
sem-pecado de (entre) vós primeiro sobre ela jogue (uma) pedra.
36
8 E novamente agachando-se escrevia em a terra.
9 eles [2] Mas [1] tendo ouvido saíam um por um começando por os mais velhos e
(ele) foi deixado sozinho e a mulher em (o) meio estando.
10 erguendo-se [2] E [1] Jesus disse a ela: Mulher, onde estão? Ninguém te
condenou?
11ela [2] E [1] disse: Ninguém, Senhor. Disse [2] E [1] Jesus: Nem eu te condeno;
vai, [e] de (sde) agora não mais peques.]
1.5.2 Tradução para o Português75 de João 7:53-8:11
53 E cada um foi para sua casa.
1 Jesus, entretanto, foi para o monte das Oliveiras.
2 De madrugada, voltou novamente para o templo, e todo o povo ia ter com ele; e,
assentado, os ensinava.
3 Os escribas e fariseus trouxeram à sua presença uma mulher surpreendida em
adultério e, fazendo-a ficar de pé no meio de todos,
4 disseram a Jesus: Mestre, esta mulher foi apanhada em flagrante adultério.
5 E na lei nos mandou Moisés que tais mulheres sejam apedrejadas; tu, pois, que
dizes?
6 Isto diziam eles tentando-o, para terem de que o acusar. Mas Jesus, inclinandose, escrevia na terra com o dedo.
7 Como insistissem na pergunta, Jesus se levantou e lhes disse: Aquele que dentre
vós estiver sem pecado seja o primeiro que lhe atire pedra.
8 E, tornando a inclinar-se, continuou a escrever no chão.
9 Mas, ouvindo eles esta resposta e acusados pela própria consciência76, foramse retirando um por um, a começar pelos mais velhos até aos últimos, ficando só
Jesus e a mulher no meio onde estava.
10 Erguendo-se Jesus e não vendo a ninguém mais além da mulher, perguntou-lhe:
Mulher, onde estão aqueles teus acusadores? Ninguém te condenou?
75
ALMEIDA, João Ferreira. Tradução Revista e Atualizada no Brasil, 2º ed. São Paulo: 1959. In: Novo
Testamento Interlinear Grego-Português. Barueri,SP: Sociedade Bíblica do Brasil, 2004.
76
A expressão “acusados pela própria consciência” é uma variante que se encontra no texto bizantino
e nos manuscritos E, G, H, K, além de textos cópticos. Muitos estudiosos do texto grego do Novo
Testamento acreditam que essa expressão é um acréscimo posterior ao tempo de João, não sendo,
portanto, parte do original.
37
11 Respondeu ela: Ninguém Senhor! Então, lhe disse Jesus: Nem eu tampouco te
condeno; vai e não peques mais.
1.5.3 Palavras do grego em destaque na tradução literal e apontamentos de
análise morfológica77:
1
VIhsou/j Jesus: Substantivo-Nominativo Masculino-Singular
1
i`ero.n templo: Adjetivo Pronominal-Acusativo Neutro-Singular
evdi,dasken ensinava: Verbo Indicativo Imperfeito Voz Ativa-Terceira Pessoa
Singular
2
oi` os: Artigo Definido Nominativo Masculino Plural
grammatei/j escribas: Substantivo-Nominativo Masculino-Plural
kai. e: Conjunção de Coordenação
oi` os: Artigo Definido Nominativo Masculino Plural
Farisai/oi fariseus: Substantivo-Nominativo Masculino-Plural
gunai/ka (uma) mulher: Substantivo-Acusativo Feminino-Singular
moicei,a| adultério: Substantivo-Dativo Feminino-Singular
kateilhmme,nhn apanhada: Verbo Particípio Perfeito Voz Ativa- Feminino Singular
sth,santej colocando: Verbo Particípio Aoristo Voz Ativa Nominativo MasculinoPlural
me,sw meio: Adjetivo Pronominal-Dativo Neutro-Singular
3
Dida,skale Mestre: Substantivo-Vocativo Masculino-Singular
evpV em: Preposição Dativo
auvtofw,rw| o próprio ato: Adjetivo Pronominal-Dativo Neutro-Singular
moiceuome,nh\ cometendo adultério: Verbo Particípio Presente
Voz Passiva
Nominativo Feminino-Singular
5
no,mw lei: Substantivo-Dativo Masculino-Singular
toiau,taj tais: Adjetivo Pronominal Demonstrativo Acusativo FemininoPlural
liqa,zeinÅ apedrejar: Verbo Infinitivo Presente Voz Ativa
77
FRIBERG, Barbara e Timothy. O Novo Testamento Grego Analítico. São Paulo: Vida Nova, 1987,
p.310.
38
7
~O o: Artigo Definido Nominativo Masculino Singular
avnama,rthtoj sem-pecado: Adjetivo Pronominal-Nominativo Masculino-Singular
prw/toj primeiro: Adjetivo-Ordinal Nominativo Masculino-Singular
bale,tw jogue: Verbo Imperativo Aoristo Voz Ativa-Terceira Pessoa Singular
li,qonÅ pedra: Substantivo-Acusativo Masculino-Singular
9
ei-j um78: Adjetivo Pronominal Cardial Nominativo Masculino-Singular
kaqV por: Preposição Acusativo
ei-j um: Adjetivo Pronominal Cardial Nominativo Masculino-Singular
presbute,rwn mais velhos: Adjetivo Pronominal Comparativo Genitivo Masc-Pl
h` a: Artigo Definido Nominativo Feminino Singular
10 ouvdei,j Ninguém: Adjetivo Pronominal Cardial Nominativo MasculinoSingular
se te: Substantivo Pronome Acusativo-Segunda Pessoa Singular
kate,krinen condenou: Verbo Indicativo Aoristo Voz Ativa-Terceira Pessoa- Sing
11 ku,rie Senhor: Substantivo-Vocativo Masculino-Singular
ei=pen Disse: Verbo Indicativo Aoristo Voz Ativa-Terceira Pessoa do Singular
VIhsou/j Jesus: Substantivo-Nominativo Masculino-Singular
Ouvde. Nem: Adjetivo Advérbio
evgw, eu: Substantivo Pronome Nominativo-Primeira Pessoa do Singular
se te: Substantivo Pronome Acusativo-Segunda Pessoa Singular
katakri,nw\ condeno: Verbo Indicativo Presente Voz Ativa-Primeira P- Singular
poreu,ou vai: Verbo Imperativo Presente (Voz Media ou Passiva Depoente)
Segunda Pessoa Singular
kai. e: Conjunção de Coordenação
avpo. desde79: Preposição Genitivo
nu/n agora: Adjetivo Pronominal-Genitivo Masculino-Singular
mhke,ti não mais: Adjetivo Advérbio Pessoa do Singular
a`ma,rtane peques: Verbo Imperativo Presente Voz Ativa-Segunda Pessoa-Sing
78
79
O termo “um por um” é uma locução adverbial.
O termo “desde agora” é uma locução adverbial.
39
CONSIDERAÇÕES SOBRE A EXEGESE: Implicações
A partir da exegese da perícope, algumas implicações são evidentes
no capítulo 8:1-11:
8:1 Demonstra a importância do ensino para o ministério de Jesus, que lhe dedicava
grande parte de seu tempo.
8:2 Quando os escribas e os fariseus levaram a mulher a Jesus, eles cometem uma
violência coletiva contra a mulher, estavam em bando (os escribas e os fariseus) e
eram individualmente anônimos. No início uma mulher foi trazida, pois era
considerada mais uma pessoa qualquer, sem nome, sem história, sem direito.
8:3 Ficar em pé no meio de todos, evidência grave violência a pessoa da mulher,
uma humilhação.
8:4 Aqui a violação da Lei de Moisés também é notada, pois não se cumpriram as
regras, o ato de adultério aponta que o homem deveria estar presente quando a
mulher foi arrastada para o meio de todos. Todavia, a mulher foi trazida sozinha.
8:5 Os acusadores se utilizaram da Lei (que é Santa e Boa), apresentaram a
penalidade de maneira generalizada (tais mulheres) e estavam dispostos a
apedrejá-los eles mesmos (Voz Ativa).
8:6 As motivações dos opositores eram armar cilada para Jesus, de fato não se
importavam nem com a justiça social nem com a vida humana.
8:7 A violência é realizada de forma persistente, Jesus quando diz “o sem-pecado”
devolve a violência para cada consciência individual, desmascarando o rosto da
massa, e trazendo a responsabilidade para cada um enquanto pessoa.
8:9 No final a mulher foi deixada diante de Jesus e o texto em grego aponta como
sujeito definido. Sujeito de sua história, capaz de responsabilizar-se pelos seus atos
e fazer novas escolhas daquele momento em diante.
40
8:10 Jesus estabelece diálogo com a mulher, o que diante do que vimos, possui um
grande significado histórico e moral, Jesus quebra paradigmas de uma sociedade
discriminatória e indica um novo status para a condição feminina.
8:11 Atitude de Jesus é de perdão e não de julgamento, como Ele diz: “Eu vim para
salvar o mundo e não para julgá-lo". (São João 12:4780). A mulher reconhece o
senhorio de Jesus e lhe chama Senhor. O termo ku,rie (kurie) indica " ó Senhor". É o
que a mulher expressa: "Não, ó Senhor, ninguém me condenou". É a forma vocativa
do substantivo kurios (κσριος, Senhor). Para James Strong (2006) o vocábulo atesta
para kuros (supremacia) e significa: 1) aquele a quem uma pessoa ou coisa
pertence sobre o qual ele tem o poder de decisão, mestre, senhor; 2) O que possue
e dispõe de algo; 3) Proprietário, alguém que tem o controle da pessoa, o mestre; 4)
No Estado: o soberano, príncipe, chefe, o imperador romano; 5) É um título de
honra, que expressa respeito e reverência e com o qual servos tratavam seus
senhores; 6) Título dado a Deus, ao Messias 81.
80
BÍBLIA. Português. Bíblia: João Ferreira de Almeida. Tradução Revista e Atualizada no Brasil, 2ª
ed. Barueri, SP: Sociedade Bíblica do Brasil, 1988. p. 962.
81
STRONG, James. Dicionário Bíblico Strong: Léxico Hebraico, Aramaico e Grego de Strong. Barueri,
São Paulo: Sociedade Bíblica do Brasil, 2006. Nº 2962, p. 195.
CAPÍTULO 2 – VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER E SUAS FORMAS
DE ENFRENTAMENTO
Segundo definição da Organização Mundial da Saúde (OMS):
[...] as violências são caracterizadas pelo “uso intencional da força
física ou do poder, real ou em ameaça, contra si próprio, contra outra
pessoa, ou contra um grupo ou comunidade que possa resultar ou
tenha alta probabilidade de resultar morte, lesão, dano psicológico,
problemas de desenvolvimento ou privação82.
A Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência
Contra a Mulher (Convenção de Belém do Pará/ONU) em 1994 considera como
violência contra a mulher “qualquer ato ou conduta baseado no gênero, que cause
morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto na esfera
pública como privada83”. A partir deste conceito, a violência pode ser classificada
em três categorias:
[...] violência dirigida contra si mesmo (auto-infligida); violência
interpessoal (classificadas em dois âmbitos: violência intrafamiliar ou
doméstica – entre parceiros íntimos ou membros da família, e
violência comunitária – que ocorre no ambiente social em geral, entre
conhecidos e desconhecidos) e violência coletiva (atos violentos que
acontecem nos âmbitos macro-sociais, políticos e econômicos,
caracterizados pela dominação de grupos e do estado). Quanto à
natureza, os atos violentos podem ser classificados como abuso
físico, psicológico, sexual e envolvendo abandono, negligência e
privação de cuidados84.
Diante do foco desta pesquisa, o recorte sobre a violência será feito
no segundo eixo, ou seja, violência interpessoal com ênfase na violência intrafamiliar
82
OPAS. Organização Mundial da Saúde. Relatório Mundial sobre Violência e Saúde. Genebra:
OMS, 2002. In: BRASIL. Conselho Nacional de Secretários de Saúde. Violência: uma epidemia
silenciosa, Brasília: CONASS Documenta nº 15, 2007. p. 10 e 11.
83
BRASIL. Ministério da Saúde. Atenção Integral para Mulheres e Adolescentes em Situação de
Violência Doméstica e Sexual. Brasília: Ministério da Saúde, 2006. In: BRASIL. Conselho Nacional de
Secretários de Saúde. Violência: uma epidemia silenciosa, Brasília: CONASS Documenta nº 15,
2007.
84
MINAYO, M.C.S. Violência: um problema para a saúde dos brasileiros. In: BRASIL. Conselho
Nacional de Secretários de Saúde. Violência: uma epidemia silenciosa, Brasília: CONASS
Documenta nº 15, 2007. p. 11.
42
ou doméstica e violência comunitária, implícita nos aspectos históricos sobre a
condição da mulher no mundo e no Brasil.
2.1 Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher: Conceito Legal e Formas
Segundo a Lei Nº 11. 340, de 7 de Agosto de 2006, também
chamada Lei Maria da Penha85, define-se Violência Doméstica e Familiar contra a
Mulher:
Art. 5o Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e
familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no
gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou
psicológico e dano moral ou patrimonial86.
De acordo com o novo ordenamento jurídico, a questão da violência
contra a mulher trouxe novos horizontes e um importante detalhamento e ampliação
do que vem a ser a violência. Segundo o citado artigo 5º a lei delineia os âmbitos em
que pode ocorrer a prática violenta: unidade doméstica, âmbito familiar e espaço de
convivência e relacionamento de afetividade e intimidade.
Clarifica-se que unidade doméstica significa local de convívio
constante de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as intermitentes
pessoas agregadas. O âmbito familiar compreende a comunidade construída por
pessoas com laços parentais, naturais ou por expressa afinidade e vontade. Espaço
de convívio e relacionamento abarca o fato de o agressor conviver ou ter convivido
com a vítima, independente de relações sexuais ou de orientação sexual de ambos.
Além do conceito explicitado, ressalta-se que a partir do artigo 7º da
Lei Maria da Penha, as formas de violência doméstica e familiar são consideradas
nas seguintes esferas: física, psicológica, sexual, patrimonial e moral.
85
Maria da Penha, mulher cearense que sofreu tentativa de homicídio em 1983 e ficou paraplégica
após agressão do marido. Posteriormente iniciou sua luta em prol das mulheres vítimas de violência.
Mais detalhes ver anexo ao final do trabalho.
86
BRASIL. Lei Ordinária (2006). Lei Maria da Penha. Brasília, DF, 2006.
43
Entende-se violência física como toda e qualquer ação que afete a
integridade ou saúde corporal, como por exemplos socos, tapas, chutes, empurrões,
facadas, uso de arma de fogo, etc.
A violência psicológica é considerada como qualquer conduta que
proporcione dano emocional, achatamento da auto-estima ou que lhe cause
perturbações e prejudique seu pleno desenvolvimento, como controlar suas ações,
crenças, decisões por meio de ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação,
isolamento, perseguição, restrição do direito de locomoção, insulto, chantagem,
ridicularização, exploração ou ainda qualquer outra maneira que lhe prejudique à
saúde mental ou a autodeterminação.
De igual modo, a violência sexual é compreendida como qualquer
ato que constranja a presenciar, manter ou participar de relação sexual não
desejada, através de coação, ameaça, intimidação ou uso de força. Bem como
induza a utilizar ou comercializar sua sexualidade, obstrua de utilizar-se de métodos
contraceptivos ou obrigue ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição.
A violência patrimonial é qualquer conduta que determine a
retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus bens, objetos, instrumentos
de trabalho, documentos pessoais, recursos financeiros e aqueles que lhe
proporcione a satisfação das necessidades.
Por último, tem-se a violência moral, configurada como qualquer
ação que se identifique como calúnia, difamação ou injúria 87. Pode ser a acusação
de ato de adultério, de espalhar boatos mentirosos ou ainda de
Todos estes dispositivos elencados na nova lei são constituintes de
violação dos direitos humanos.
2.2 Aspectos Históricos sobre a Condição da Mulher no Mundo e no Brasil
A violência de gênero é uma realidade que abarca quase todas as
sociedades construídas no decorrer da história, a “violência se apresenta de forma
diferenciada para homens e mulheres 88”. Desde os tempos mais remotos
87
BRASIL. Lei Ordinária (2006). Lei Maria da Penha. Brasília, DF, 2006.
BRASIL. Conselho Nacional de Secretários de Saúde. Violência: uma epidemia silenciosa, Brasília:
CONASS Documenta nº 15, 2007. p. 68.
88
44
encontramos as marcas da violência que atinge o gênero feminino. Raros
agrupamentos sociais como nas sociedades pré-históricas / tribais os registros
apontam para uma realidade mais igualitária:
[...] Desmistificando a idéia de que a sujeição da mulher seja um
destino irrevogável, a-histórico e universal, levanta-se a experiência
da relação entre os sexos existentes na Gália e na Germânia. Eram
estas sociedades tribais, cujo regime comunitário designava às
mulheres um espaço de atuação semelhante ao dos homens.
Conjuntamente, faziam a guerra, participavam dos Conselhos
Tribais, ocupavam-se da agricultura e do gado, construíam suas
casas. As mulheres funcionavam, também, como juízas, inclusive de
homens. [...] Os cronistas romanos, como Tácito e Estrabão,
registram com surpresa a posição da mulher nessas sociedades. Da
mesma forma, os cronistas europeus do século XVI, chegam à
América, se surpreendem com a relevância da posição da mulher
entre os Iroqueses e Hurons. Nestas sociedades de caçadores e
coletores não havia uma divisão estrita entre economia doméstica e
economia social. Inexistia o controle de um sexo sobre o outro na
realização de tarefas ou nas tomadas de decisões. As mulheres
participavam ativamente das discussões em que estavam em jogo os
interesses da comunidade89.
A antiguidade clássica que abarca a época histórica até a queda de
Roma, possui o modo de produção asiático e escravista. Considera-se aqui um
pouco da realidade grega e romana. Na Grécia antiga “a mulher ocupava posição
equivalente à do escravo no sentido de que tão somente estes executavam
trabalhos manuais [...] desvalorizados pelo homem livre 90”.
[...] Em Atenas ser livre era, primeiramente, ser homem e não
mulher, ser ateniense e não estrangeiro, ser livre e não escravo. [...]
Tendo como função primordial a reprodução da espécie humana, a
mulher não só gerava, amamentava e criava os filhos, como produzia
tudo que era diretamente ligado à subsistência do homem: fiação,
tecelagem, alimentação. Exercia também trabalhos pesados como a
extração de minerais e o trabalho agrícola91.
O campo masculino era relacionado à vida pública, o externo ao lar,
que envolvia a política, a filosofia e as artes. “O casamento parece ter sido um
grande arranjo de propriedades – negócios financeiros, com [pouca] consideração
89
ALVES, Branca Moreira e PITANGUY, Jacqueline. O que é Feminismo. São Paulo: Abril Cultura,
Brasiliense, 1985. (Coleção Primeiros Passos, nº 20). p. 15 e 16.
90
ALVES et al, 1985, p. 11.
91
ALVES et al, 1985, p. 12.
45
com relação aos sentimentos dos noivos92”. Conta-se a história de Eufiletos, “um
irado marido ateniense, [que] matou o amante de sua esposa, Eratóstenes, e ainda
ganhou o caso na Justiça como um homicídio justificável 93”. Por outro lado, “a lei
oferecia poucos recursos para as esposas ofendidas 94”.
Referente à civilização romana, sua organização jurídica era
fundamentada no paterfamilias, “a quem era atribuído todo o poder sobre a mulher,
filhos, servos, escravos95”. No direito romano, a capacidade de fato significa aptidão
para produzir efeitos legais, o sexo “influiu na capacidade de fato até o século IV
d.C, época em que as mulheres passaram a ser capazes96” para o direito romano.
Mas era ainda uma capacidade somente para determinados atos. Já no direito
Justiniano, em 380 d.C a pena para uma mulher adúltera era a “internação perpétua,
num convento, o que a impede de casar-se novamente97”.
Também, o direito grego e romano não levava em consideração o
sentimento, assim “o pai podia amar muito sua filha, mas não podia legar-lhe os
seus bens98”. Além disso, tanto na Grécia quanto em Roma, esperava-se sempre
com satisfação a chegada de um filho homem, pois seria este quem conduziria a
religião doméstica familiar a qual era o fundamento destas famílias.
A mulher quando se casava desligava-se inteiramente da família de
seus pais, passando de forma integral a pertencer à família do marido e aos deuses
deste novo lar. Nesta religião, somente o homem podia oferecer sacrifícios ao fogo
sagrado e dirigir o culto aos mortos, a mulher não era em nada considerada 99.
A sociedade medieval começa com a queda de Roma, a expansão
do cristianismo e a formação do feudalismo, período histórico considerado até 1453.
[...] Durante os primeiros séculos da Idade Média, enquanto não
[havia] sido reintroduzidos os princípio da Legislação Romana – o
que ocorre do século XIII em diante – as mulheres gozavam de
alguns direitos, garantidos pela lei e pelos costumes. Assim, quase
92
YALOM, Marilyn. A História da Esposa: da Virgem Maria a Madonna: o papel da mulher casada dos
tempos bíblicos até hoje. Rio de Janeiro: Ediouro, 2002, p. 41.
93
YALOM, 2002, p. 44.
94
YALOM, 2002, p.44.
95
ALVES et al, 1985, p. 14.
96
ALVES, José Carlos Moreira. Direito Romano.Vol I. Rio de Janeiro: Forense, 1978, p. 165 e 167.
97
JÚNIOR, José Cretella e NETO, José Cretella. 1.000 Perguntas e Respostas de Direito Romano.
Rio de Janeiro: Forense, 2006. p. 35.
98
COULANGES, Fustel de; DENIS Numa. A Cidade Antiga: estudos sobre o culto, o direito as
instituições da Grécia e de Roma. São Paulo: HENUS, 1975. p.33.
99
COULANGES et al, 1975, p. 46.
46
todas as profissões eram-lhes acessíveis, bem como o direito de
propriedade e sucessão. No que se refere à atuação política, há
exemplos de mulheres da burguesia participando de assembléias,
com direito a voto. Em Bigorre (França), desde o século XI, existiu
sufrágio universal, e as mulheres, quando proprietárias, participavam
das discussões dos contratos da comunidade100.
Além disso, neste período, as mulheres ainda participavam do
comércio ao lado dos esposos, de corporações de ofícios e cargos de mestre. Não
obstante, as restrições existiam, pois elas só assumiam o cargo de mestre “quando
viúvas, pelo período de um ano, em alguns burgos, ou, em outros, enquanto não
mantivesse relações sexuais com outro homem101”.
[...] O acesso às corporações significou também a possibilidade de
receber instrução profissional, direito que ela viria a perder nos
séculos posteriores e que seria uma de suas bandeiras de luta 102.
Embora a mulher tivesse alguns direitos “o trabalho feminino sempre
recebeu remuneração inferior ao do homem103”. Outro ponto a se destacar foi a
sombria perseguição às mulheres.
[...] A chamada “caça às bruxas”, verdadeiro genocídio contra o sexo
feminino na Europa e nas Américas – tão pouco estudado e
denunciado – e que se iniciou na Idade Média, exacerbando-se no
século XVI, início do Renascimento, é parte da herança de silêncio
que recobre a história da mulher. As milhares de mulheres
assassinadas e torturadas (para cada dez bruxas contava-se um
bruxo) pouco despertaram a curiosidade dos historiadores104.
Cabe ainda destacar, que na Europa Medieval, em relação às
esposas “um marido poderia dispor das propriedades de sua esposa, suas roupas,
suas jóias e roupas de cama, e ainda tinha o direito de bater nela, caso ela não
cumprisse seus desejos105”.
[...] O espancamento era uma prática aceita sancionada pela Lei e
pelos costumes, que permitia aos maridos impor a sua autoridade
sobre suas mulheres. O espancamento legal das esposas [...] foi
100
ALVES, et al, 1985, p. 16.
ALVES, et al, 1985, p. 17.
102
ALVES, et al, 1985, p. 17.
103
ALVES, et al, 1985, p. 18.
104
ALVES, et al, 1985, p. 21.
105
YALOM, 2002, p. 70.
101
47
praticado em muitos lugares do século XIX e, mesmo depois, quando
passou a ser proibido por lei, continuou a existir entre todas as raças
e classes sociais. Nossos recentes esforços em propiciar ajuda às
mulheres espancadas e apagar esta prática agora considerada uma
ofensa criminal é uma corrida contra séculos de tradição 106.
Na era moderna, período que considera o fim do império Bizantino
em 1453, o Renascimento Humanista, a Reforma Protestante e o Mercantilismo.
[...] O advento do protestantismo não significou uma queda nesta
perseguição. Ao contrário, tanto Lutero quanto Calvino aderiram à
mesma, apoiados na Bíblia. [...] por ordem de seu bispo, a cidade de
Genebra queimou, no ano 1515, em apenas 3 meses, nada menos
que 500 mulheres; na Alemanha, o Bispado Bamberg queima de
uma só vez 600, e o Wurtzburgo, 900. As confissões eram extraídas
sob tortura [...] Não apenas as instituições da Inquisição e da
medicina condenam a mulher. Discursos de intelectuais e
humanistas [...] também a estigmatizam como inferior e impura,
contribuindo para a justificação ideológica de sua desvalorização 107.
Somente na sociedade contemporânea, a partir da Revolução
Francesa, a emersão do Capitalismo e o surgimento do Iluminismo é que a condição
da mulher de fato ganhou notoriedade e conquistou avanços significativos de forma
gradativa. “Na década entre o início da Revolução e o advento de Napoleão (17891799), as francesas adquiriram uma consciência política jamais alcançada 108”. No
entanto, tudo ocorreu de forma lenta e dificultosa.
Na França, a situação das mulheres casadas regredia. O espírito
progressista, que dominou o início da Revolução de 1789, foi
arrastado pelo sangue do pavor. O código civil, finalizado com
Napoleão em 1804, revogou todos os esforços iniciais para instituir
os princípios de igualdade entre maridos e esposas; basicamente,
ele restabeleceu e reforçou as antigas injustiças. As esposas
francesas eram consideradas propriedades de seus maridos, a quem
pertenciam e deviam absoluta “obediência” em troca de “proteção”. A
maioria dos casais usava o regime legal conhecido como comunhão
de bens, que não permitia às esposas gerenciar ou vender os
próprios bens ou lidar com a própria renda109.
Apesar desta realidade, à mulher desta época coube a tarefa de
ensinar os filhos sobre as os valores sociais que uniriam as nações, pois ainda não
106
YALOM, 2002, p. 70.
ALVES et al, 1985, p. 25.
108
YALOM, 2002, p. 200.
109
YALOM, 2002, p. 201.
107
48
existia o ensino público. Desta forma, “a valorização da mãe republicana, ou a mãe
educadora, como foi chamada na França, serviu de trampolim para que algumas
francesas e americanas mergulhassem em atividades políticas e sociais110” nos
anos que se seguiriam. Não obstante, “a cidadania [ativa] pertencia somente aos
homens, permanecendo como uma regalia masculina até o século XX 111”.
Na América, assim como na Europa, o final do século XIX
testemunhou centenas, se não milhares de “novas mulheres” –
aquelas que inspiraram a busca de uma maior autonomia. [...] Por
volta de 1890, era impossível ignorar as muitas mudanças que
estavam acontecendo na vida das mulheres solteiras a casadas na
classe média urbana112.
Em relação ao trabalho feminino, os anos da grande Depressão
apontam para uma discórdia entre os sexos, em que a mulher é acusada de tirar
emprego do homem. Já no contexto de guerra se expandem os horizontes
femininos. A Segunda Guerra Mundial acentua as tendências da força de trabalho
da mulher, que aumentava de forma regular. Se anteriormente o trabalho feminino
era mal visto, nesta fase de guerra, a mulher é bem saudada em trabalhar. Segue
uma ideologia de que o trabalho feminino colaborará para apressar o fim da guerra.
Também se ressalta o fator econômico, uma vez que as esposas dos soldados
recebiam uma verba governamental insuficiente para sobrevivência. Todavia, a
mulher entra em fase de grande desgaste devido o acumulo de tarefas, como pode
ser visto ainda nos dias atuais.
Além disso, destaca-se que na visão contemporânea, a violência
social pode ser pontuada como: pagamento de menor salário à mulher do que ao
homem para o mesmo trabalho; discriminação por imagem ou atributos de gênero;
assédio sexual; exigência de atestado de laqueadura ou exame que comprove a não
gravidez para admissão ao trabalho; promoção e exploração de prostituição e
turismo sexual tanto de infantes como de adultas 113.
110
YALOM, 2002, p. 201.
YALOM, 2002, p. 202.
112
YALOM, 2002, p. 311 e 316..
113
GOMES, R; MINAYO, M.C.S e RIBEIRO DA SILVA, C. F. Violência Contra a Mulher: uma questão
transnacional e transcultural das relações de gênero. In: Ministério da Saúde. Impacto da violência na
saúde dos brasileiros. Brasília: Ministério da Saúde, 2005. p. 117-140 apud BRASIL. Conselho
111
49
2.3 Formas de Enfrentamento à Violência Contra a Mulher
No decorrer da história, formas de enfrentamento à violência contra
a mulher também foram sendo organizadas. Primeiramente a partir das próprias
mulheres que de forma, individual ou coletiva, se posicionaram nesse sentido,
através de movimentos e organizações femininas e, posteriormente, por meio de
conquistas legais que possibilitaram o engendramento políticas públicas na
contemporaneidade.
2.3.1 Movimentos e Organizações de Mulheres em Busca de Emancipação
Toda esta conjuntura de dominação levaria as mulheres à
mobilização pelo direito de se tornarem sujeitas de sua própria história.
Já em 195 d.C tem-se registro de mulheres em manifestação contra
o Senado Romano devido à exclusão quanto aos transportes públicos, destinados
somente aos homens. O governo utilizava-se do Direito como meio de domínio e
coerção “legitimando a inferioridade da posição social da mulher romana 114”.
A respeito de organizações femininas na antiguidade clássica e na
sociedade medieval a pesquisadora não encontrou bibliografia disponível.
É importante salientar que a estrutura patriarcal isolou as conquistas
e lutas políticas das mulheres, que são, de modo geral, omitidas do
registro histórico e ocupam pouco espaço nas consciências de
homens e mulheres. Dessa forma não é fácil as mulheres
conscientizarem-se de uma solidariedade em relação a outras
mulheres, ou entre mulheres e homens: “A supressão dos
movimentos de mulheres na história isola toda mulher; não há nada
em relação a que ela possa se orientar para dotar sua experiência
pessoal de continuidade em comparação com o passado115.
Nacional de Secretários de Saúde. Violência: uma epidemia silenciosa, Brasília: CONASS
Documenta nº 15, 2007. p. 70 e 71.
114
ALVES et al, 1985, p. 15.
115
Jansen-Jurrreit, 1982, p.33. In: SHOTTER, J & LOGAN, S. A penetração do patriarcado: sobre a
descoberta de uma voz diferente. In: GERGEN, M. McCaney. O pensamento feminista e a estrutura
do conhecimento. EDUMB/Rosa dos Tempos. Brasília: 1993. p. 91-109. Apud. OLIVEIRA, Elizabete
Conceição
Paiva
de.
Teologia
Feminista
e
Poder.
Disponível
em:
<www.oraetlabora.com.br/.../teologia_feminista_e_poder.htm > acesso em 25 set 2010.
50
Somente no século XVII, já na era moderna, em contexto precursor
à Revolução, a América é impregnada “por idéias de insubordinação e por
mudanças concretas na organização do país 116”.
[...] É neste contexto que surge a figura de Ann Hutchinson, uma das
primeiras vozes de insurreição feminina que a História Americana
registra. Profundamente religiosa, Ann congregou em torno de si uma
comunidade que se reunia para ouvir as suas pregações. Afirmava
que o homem e a mulher foram criados iguais por Deus, contrariando
assim os dogmas calvinistas da superioridade masculina 117.
Mesmo sendo a reivindicação por igualdade de direitos no âmbito
religioso era, nesta época, inaceitável e inconcebível. Ann foi condenada ao
banimento em 1637.
Os Estados Unidos da América foi se estabelecendo com espírito de
liberdade, mas esta era associada apenas aos homens. Em resposta à Declaração
de Independência de que “todos os homens foram criados iguais”, Abigail Smith
Adams, esposa do 1º Vice-Presidente dos EUA, John Adams redige ao seu marido:
[...] Espero que no novo Código de Leis [...] vocês se lembrem das
mulheres e sejam mais generosos que seus antepassados [...] Se
não for dada especial atenção às mulheres, estamos resolvidas a
nos rebelar e não nos consideraremos obrigadas a cumprir leis,
diante das quais não temos nem voz, nem representação118.
Em atenção à esposa, Adams satiriza sua carta e ratifica que o novo
governo possui sanidade o suficiente para manter o sistema masculino como o
adequado para governar a nascente “nação livre”.
Semelhantemente, a visão crítica sobre a situação feminina tomou
corpo na Europa do século XVIII, e apesar do iluminismo proporcionar
gradativamente acesso a mulher à educação, e na conjuntura das revoluções a
mulher participar fortemente ao lado do homem “não vê também as conquistas
políticas estenderem-se ao seu sexo119”.
116
117
118
119
ALVES et al, 1985,
ALVES et al, 1985,
ALVES et al, 1985,
ALVES et al, 1985,
p. 29.
p. 30.
p. 31.
p. 32.
51
A Revolução Francesa é considerada, por muitos, o berço do
feminismo moderno. Em 1791, Olímpia de Gouges lançou a
"Declaração dos Direitos da Mulher e da Cidadã", onde proclamou
que a mulher possui direitos naturais como o homem, e deve
participar do poder legislativo. A obra incluía um "Contrato Social"
entre os sexos. De Gouges, entretanto, morreu guilhotinada em 1793
e, no mesmo ano, o parlamento rejeitou a proposta de igualdade
política entre os sexos120.
O ideário iluminista exerce ativa influência sobre as mulheres, que
neste momento histórico contorna o feminismo de organização política e prática pela
luta dos direitos da mulher.
Em relação à perspectiva da superação da condição feminina neste
contexto “foi nos Estados Unidos que ocorreram as primeiras manifestações
organizadas em prol dos direitos da mulher, no século XIX 121”. A luta pela libertação
feminina emergiu ao lado da luta contra a escravidão, a busca pelo direito ao voto e
o almejar por uma sociedade sem opressão.
À medida que a crítica ao Estado capitalista é tecida por Karl Marx e
Friedrich Engels e se lançam as bases para as teorias socialistas, dois grandes
escritores influenciam os ideários femininos. O próprio Engels é um deles com sua
obra “A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado”, o outro é August
Bebel com a obra “A Mulher sob o Socialismo”. Engels pautado em estudos
antropológicos afirma que, em sociedades primitivas, com propriedade comunal não
existia nem o aparelho do Estado nem a opressão sobre as mulheres, as quais
atuavam livremente ao lado dos homens.
[...] Apoiando-se nos argumentos de Engels, Bebel equipara a
sujeição da mulher à da classe operária no sistema capitalista, já que
a causa é comum: o surgimento da propriedade privada. [...] Através
de uma luta constante por seus direitos, as mulheres trabalhadoras
romperam o silêncio e projetaram suas reivindicações na esfera
pública. O avanço das lutas operárias congrega homens e mulheres
nas organizações sindicais. Com eles as mulheres participaram das
greves e, como eles, foram vítimas da repressão122.
Segundo algumas versões, o dia 08 de março de 1857 remete a
história das trabalhadoras da indústria têxtil de Nova Iorque, as quais realizaram
120
Frei Beto. A Marca do Batom: Como o Movimento Feminista evoluiu no Brasil e no Mundo.
Disponível em: <http://alainet.org/active/1375&lang=es> acesso em 15 Ago 2010.
121
LAVINAS, Lena. MELO, Hildete Pereira. Mulheres sem Medo do Poder. IPEA, 1996.
122
ALVES et al, 1985, p. 40 e 41.
52
protestos contra os miseráveis salários e reivindicavam uma jornada de trabalho de
12 horas. As operárias foram agressivamente reprimidas pela polícia e diversas
mulheres levadas à prisão ou feridas. Decorridos 51 anos, de maneira similar, no dia
08 de março de 1908, na referida cidade, as mulheres mais uma vez vão a protesto
“denunciando as mesmas condições degradantes de trabalho e acrescentando às
suas reivindicações a exigência de legislação protetora do trabalho do menor e o
direito de voto às mulheres 123”. Não obstante, a respeito deste tema, há diversas
versões diferentes, que não serão abordadas nesta pesquisa.
Embora as versões sejam as mais variadas, salienta-se que 08 de
março foi aclamado o Dia Internacional da Mulher, em 1975, pela Organização das
Nações Unidas que, sob pressão, reconhece um dia oficial para a luta feminina 124.
Enfim, ressalta-se o movimento operário feminino, o movimento sufragista feminino e
a luta por direitos de cidadania.
Não obstante, somente no século XX a mulher obtém avanços
concretos. Na Inglaterra o direito ao voto foi efetivado em 1928, após seis décadas
de luta. A mulher francesa adquire o direito ao voto somente em 1945.
A reforma eleitoral italiana de 1912 estendeu o direito ao voto aos
analfabetos, mas excluiu as mulheres, os menores, os prisioneiros e
os dementes. Só em 1945 as italianas tiveram direito ao voto, após
duas guerras mundiais125.
[...] Simone de Beauvoir, ao publicar em 1949 "O segundo sexo", pôs
a descoberto as profundas raízes da opressão feminina, analisando o
desenvolvimento psicológico da mulher e as condições sociais que a
tornam alienada e submissa ao homem. Em 1963, Betty Fridman
lançou nos EUA "A mística feminina", onde retomou as idéias de
Beauvoir, denunciando a opressão da mulher que, na sociedade
industrial, sofre do "mal que não tem nome" - a angústia do eterno
feminino, da mulher sedutora e submissa. A partir dessas novas
idéias, o movimento feminista alastrou-se pelo mundo. Sutiãs foram
queimados nas ruas; a libertação sexual tornou-se um fato político;
as palavras de ordem se multiplicaram: "Nosso corpo nos pertence!"
"Direito ao prazer!" "O privado também é político!" "Diferentes, mas
não desiguais!" O modelo tradicional do ser mulher entrou em crise e
um novo perfil feminino começou a se esboçar. Pressionada, a ONU
declarou 1975 como Ano Internacional da Mulher, e a década que se
123
ALVES et al, 1985, p. 42.
BITTENCOURT, Circe (Org). Dicionário de Datas da História do Brasil. São Paulo: Contexto, 2007.
p. 65. Disponível em: <http://books.google.com.br/books> acesso em 12 set 2010.
125
Frei Beto. A Marca do Batom: Como o Movimento Feminista evoluiu no Brasil e no Mundo.
Disponível em: <http://alainet.org/active/1375&lang=es> acesso em 15 ago 2010.
124
53
seguiu, até 1985, como Década da Mulher em todo o mundo 126.
O movimento de mulheres no Brasil em prol do voto engendrou-se
somente em 1910, com a iniciativa da professora Deolinda Daltro, através da
fundação do Partido Republicano Feminino, na cidade do Rio de Janeiro a fim de
“ressuscitar no Congresso Nacional o debate sobre o voto da mulher 127”.
[...] Em 1919 Bertha Lutz funda a Liga pela Emancipação Intelectual
da Mulher, posteriormente denominada Federação Brasileira pelo
Progresso Feminino, organização que levará adiante a luta pelo
sufrágio. [...] Em 1927, graças à influência do Presidente do Rio
Grande do Norte, Juvenal Lamartine, este Estado inclui em sua
Constituição um artigo permitindo o exercício do voto às mulheres. A
partir daí intensifica-se a mobilização das mulheres128.
No Brasil o movimento de mulheres é intenso na década de 1970,
em que, na conjuntura da ditadura militar, grupos femininos vão às ruas em luta pela
redemocratização do país e pela reivindicação de melhores condições de vida.
[...] Muitas mulheres brasileiras participaram ativamente da
resistência à ditadura militar. Mas o primeiro grupo organizado de
feministas pós- Simone de Beauvoir surgiu em São Paulo, em 1972,
com Célia Sampaio, Walnice Nogueira Galvão, Betty Mindlin, Maria
Malta Campos, Maria Odila Silva Dias e, mais tarde, Marta Suplicy.
Aos poucos, o tema do feminino e do feminismo passou a ocupar
fóruns nacionais de debate, como ocorreu na reunião anual da
Sociedade Brasileira pelo Progresso da Ciência (SBPC), em Belo
Horizonte, em 1975. No mesmo ano, um encontro na Associação
Brasileira de Imprensa (ABI), no Rio, deu origem ao Centro da
Mulher Brasileira. Também no mesmo ano, em São Paulo, realizouse o Encontro para o Diagnóstico da Mulher Paulista; surgiu o
Movimento Feminino pela Anistia, liderado por Terezinha Zerbine; e
foi lançado o jornal Brasil Mulher, que circulou de 1975 a março de
1980. A imprensa feminista ganhou fôlego. Nós Mulheres circulou
entre 1976 e 1978, e o jornal Mulherio, lançado em março de 1981,
tornou-se leitura obrigatória das feministas por mais de cinco anos129.
126
Frei Beto. A Marca do Batom: Como o Movimento Feminista evoluiu no Brasil e no Mundo.
Disponível em: <http://alainet.org/active/1375&lang=es> acesso em15 ago 2010.
127
ALVES et al, 1985, p. 47.
128
ALVES et al, 1985, p. 47 e 48.
129
Frei Beto. A Marca do Batom: Como o Movimento Feminista evoluiu no Brasil e no Mundo.
Disponível em: <http://alainet.org/active/1375&lang=es> acesso em 15 ago 2010.
54
Nas bases da sociedade, as classes populares foram animadas pelo
Catolicismo a se organizarem, surgindo assim, os Clubes de Mães e as Associações
das Donas-de-Casa. Movimentos diversos, não confessionais e não partidários,
surgiram por todo o país, a exemplo da Rede Mulher que lutou pela expansão da
cidadania feminina e dos direitos das mulheres. Gradativamente, “delinearam-se
agendas específicas, como negras, prostitutas, lésbicas, trabalhadoras rurais e
urbanas, empresárias etc”. Em 1977 até dos inícios dos anos de 1980, o dia 8 de
março foi festejado no Rio de Janeiro e vários encontros Estaduais. Entre 1979 e
1981 aconteceram Congressos da Mulher em São Paulo com mais de três mil
participantes femininas. Por fim, foi na cidade de Fortaleza, em 1979 que realizou-se
o I Encontro Nacional Feminista130.
2.3.2 Apontamentos Legais no Combate à Violência Contra a Mulher no Brasil
O Código Penal Brasileiro, Decreto-Lei 2.848/40 abarca a violência
de forma geral contra o ser humano. Embora se defina que emoção e paixão “Não
excluem a imputabilidade penal (art. 28)
131
”, o mesmo código admite como
atenuante da pena: “Se o agente comete o crime impelido de relevante valor social
ou moral, ou sob domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação
da vítima (art.121)132”, pode o juiz reduzir a pena de um sexto a um terço. Este ponto
é utilizado ainda nos dias correntes como argumento na “defesa de assassinos de
mulheres133” tanto aos apaixonados incontroláveis quanto por motivos de traição ou
término no relacionamento.
Outro item importante no Código Penal é a definição do crime de
estupro (Art.213) e atentado violento ao pudor (Art.214):
130
Frei Beto. A Marca do Batom: Como o Movimento Feminista evoluiu no Brasil e no Mundo.
Disponível em: <http://alainet.org/active/1375&lang=es> acesso em 15 ago 2010.
131
BRASIL. Código Penal Brasileiro. Art. 28. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/
Decreto-Lei/Del2848.htm> acesso em 15 ago 2010.
132
BRASIL. Código Penal Brasileiro. Art. 121. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/
Decreto-Lei/Del2848.htm> acesso em 15 ago 2010.
133
CORTÊS, Iáris Ramalho e RODRIGUES, Almira. (ORG). Os Direitos das Mulheres na Legislação
Brasileira Pós-Constituinte. Centro Feminista de Estudos e Assessoria (CFEMEA). Brasília:
LetrasLivres, 2006. p. 19.
55
[...] Posteriormente, a legislação que dispõe sobre crimes hediondos,
inclui no rol o estupro e o atentado violento ao pudor (Leis
8.072/1990 e 8.930/1994). [...] Entre os motivos de agravamento da
pena, segundo dispositivo do Código Penal (art.61) estão: ser
praticado contra ascendente, descendente, irmão/irmã ou cônjuge;
com abuso de autoridade ou prevalecendo-se de relações
domésticas, de coabitação ou de hospitalidade; ser ele praticado
contra criança, maior de 60 anos, enfermo ou mulher grávida, sendo
que este último motivo foi acrescido posteriormente (Lei 9.318/1996,
e alterado pela Lei 10.741/2003)134.
A Constituição Federal de 1988 (CF/88) foi um instrumento para
efetivar conquistas nos diretos da mulher brasileira. Expressa um marco nas bases
da legislação que se desdobrou no pós-constituinte em prol da mulher. Entre os
muitos avanços citam-se as seguintes temáticas: direitos humanos, direitos civis,
violência, saúde, educação, trabalho, previdência social, assistência social,
habitação, desenvolvimento, política e poder 135. Devido à limitação desta pesquisa,
serão apontadas as questões legais referentes ao combate a violência,
peculiarmente relacionado à mulher: Em 2005 foram excluídos termos pejorativos e
preconceituosos do código vigente como “mulher honesta” (Lei 11.106/2005).
[...] Esta Lei revogou os artigos que: extinguia a punibilidade pelo
casamento do agente ou de terceiros, com a vítima, nos crimes
contra os costumes (arts. 107); o crime de sedução (art.217); o rapto
(art.219) e o adultério (art.240). O adultério permanece no Código
Civil (art.1.573, I), como motivo de separação judicial136.
A violência doméstica e familiar já estava sendo denunciada desde
as décadas de 1970 e 1980; no entanto, é a partir da constituinte que se reconhece
legalmente este fenômeno.
[...] No âmbito das relações familiares, a CF/88 dispõe que cabe ao
Estado assegurar a assistência à família, na pessoa de cada um dos
que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no
âmbito de suas relações (art. 226, parágrafo 8º). [...] Sobre a
violência doméstica, destacam-se as seguintes leis, que: a) cria o
tipo especial denominado violência doméstica no Código Penal (Lei
10.886/2004), [...] b) estabelece a notificação compulsória de caso de
violência contra a mulher, atendida em serviços de saúde [público] ou
[privado], no território nacional (Lei 10.778/2003); c) autoriza o Poder
134
CORTÊS et al, 2006, p. 19.
CORTÊS et al, 2006, p. 12 – 34.
136
CORTÊS et al, 2006, p.19 e 20.
135
56
Executivo a disponibilizar, em nível nacional, número telefônico,
gratuito, com apenas três dígitos, destinado a atender, de todo o
País, as denúncias de violência contra as mulheres (Lei
10.714/2003). [...] d) altera a Lei dos Juizados Especiais, para que,
em caso de violência doméstica, o juiz possa determinar, como
medida de cautela contra o autor do fato, seu afastamento do lar,
domicílio ou local de convivência com a vítima (Lei 10.455/2002); e e)
revoga dispositivo discriminatório do Código de Processo Penal (DL
3.689/41), que proibia à mulher casada o direito de queixa sem o
consentimento do marido, salvo quando estiver dele separada ou
quando a queixa for contra o mesmo (Lei 9.520/1997)137.
Cabe destacar outros avanços legais: a Lei 7.353/1985 institui o
Conselho Nacional dos Direitos da Mulher, vinculado ao Ministério da Justiça.
Considerado como fundamento para a formulação de políticas públicas voltadas a
mulher em todo o país, a Lei 10.683/2003 dispõe sobre a organização da
Presidência da República e dos Ministérios, incluso a Secretaria Especial de
Políticas para Mulheres e integra o Conselho Nacional dos Direitos da Mulher a esta
secretaria; a Lei 10.745/2003 institui o ano de 2004 como o Ano da Mulher com o
objetivo de divulgar ações que promovam a igualdade e justiça na inclusão da
mulher na sociedade. A Lei 10.406/2002 institui o Código Civil, o qual tramitou por
mais de duas décadas no Congresso Nacional, estabelecendo igualdade de direitos
sociais e familiares138.
Além destes, aponta-se a Lei 11.340/2006 que cria
mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, dispõe
sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher;
altera o Código de Processo Penal, o Código Penal e a Lei de Execução penal.
2.3.3 Políticas Públicas como enfrentamento à Violência Contra a Mulher no
Brasil
As primeiras manifestações de políticas públicas no Brasil voltadas
para a proteção da mulher foram as Delegacias Especializadas de Atendimento a
Mulher (DEAMs) em 1985, do Ministério da Justiça, Secretaria Nacional de
Segurança Pública. “As DEAMs são unidades especializadas da Polícia Civil para
137
138
CORTÊS et al, 2006, p. 20.
CORTÊS et al, 2006, p. 42 – 72.
57
atendimento especializado à mulher em situação de violência de gênero 139”. Seus
serviços possuem “caráter preventivo e repressivo, devendo realizar ações de
prevenção, apuração, investigação e enquadramento legal, as quais devem ser
pautadas no respeito aos direitos humanos e nos princípios do Estado Democrático
de Direito140”.
As DEAMs foram uma experiência pioneira, genuinamente brasileira
desde sua criação e contribuíram para dar visibilidade ao problema
da violência contra a mulher, especialmente aquela ocorrida no
ambiente doméstico, no interior das relações conjugais e familiares,
para o reconhecimento, pela sociedade, da natureza criminosa da
violência baseada em diferenças de gênero, a qual a mulher estava
submetida; e permitiu a institucionalização da política pública de
prevenção, enfrentamento e erradicação da violência contra a mulher
no Brasil141.
É deste mesmo período a criação de Casas Abrigo para o
acolhimento de mulheres em risco de morte. Outro importante avanço para as
políticas públicas foi à criação do Conselho Nacional dos Direitos da Mulher,
também efetivado em 1985.
O Conselho Nacional dos Direitos da Mulher (CNDM) foi criado em
1985, vinculado ao Ministério da Justiça, para promover políticas que
visassem eliminar a discriminação contra a mulher e assegurar sua
participação nas atividades políticas, econômicas e culturais do país.
De 1985 a 2010, teve suas funções e atribuições bastante alteradas.
Em 2003, passou a integrar a estrutura da Secretaria Especial de
Políticas para Mulheres da Presidência da República, contando em
sua composição com representantes da sociedade civil e do governo,
o que amplia o processo de controle social sobre as políticas
públicas para as mulheres. É também atribuição do CNDM apoiar a
Secretaria na articulação com instituições da administração pública
federal e com a sociedade civil142.
139
BRASIL. Delegacias Especializadas de Atendimento a Mulher: Norma Técnica de Padronização.
Brasília, 2006. Disponível em: <http://www.ceplaes.org.ec/AccesoJusticia/docs/Brasil-Normas_ deams
.pdf> acesso em 25 set 2010.
140
BRASIL. Delegacias Especializadas de Atendimento a Mulher: Norma Técnica de Padronização.
Brasília, 2006. Disponível em: <http://www.ceplaes.org.ec/AccesoJusticia/docs/Brasil-Normas_ deams
.pdf> acesso em 25 set 2010.
141
BRASIL. Delegacias Especializadas de Atendimento a Mulher: Norma Técnica de Padronização.
Brasília, 2006. Disponível em: <http://www.ceplaes.org.ec/AccesoJusticia/docs/Brasil-Normas_ deams
.pdf> acesso em 25 set 2010.
142
BRASIL.
Conselho
Nacional
dos
Direitos
da
Mulher.
Disponível
em:
<http://www.sepm.gov.br/conselho> acesso em 12 set 2010.
58
A medida provisória 103 de 1º de janeiro de 2003 proporcionou a
criação da Secretaria Especial de Política para as Mulheres (SPM). Posteriormente,
foi convertida em Lei em maio do mesmo ano, a Lei 10.683 de 28 de Maio de 2003.
A Secretaria de Políticas para as Mulheres possui atualmente três
Subsecretarias: 1) Subsecretaria de Articulação Institucional; 2) Subsecretaria de
Enfrentamento à Violência Contra a Mulher e 3) Subsecretaria Planejamento e
Gestão Interna.
A Subsecretaria de Enfrentamento à Violência Contra a Mulher é
responsável pelo direcionamento dos serviços nacionais no tocante a violência:
Art. 5º À Subsecretaria de Enfrentamento à Violência contra as
Mulheres compete:
I - formular políticas de enfrentamento à violência contra as
mulheres, que visem à prevenção e ao combate à violência, bem
como à assistência e à garantia de direitos às mulheres em situação
de violência;
II - promover a articulação e a integração entre os órgãos públicos,
nos âmbitos federal, estadual, municipal e do Distrito Federal,
visando à concretização das ações na área de enfrentamento da
violência e à fiscalização e exigência do cumprimento da legislação
que assegura os direitos das mulheres em situação de violência;
III - desenvolver e implementar programas e projetos voltados ao
enfrentamento à violência contra as mulheres, diretamente ou em
parceria com organismos governamentais, de diferentes entes da
federação
ou
organizações
não
governamentais;
IV - implementar metodologia e sistemática de monitoramento e
avaliação dos programas, projetos, atividades e ações temáticas
realizadas;
e
V - realizar outras atividades determinadas pelo Secretário
Especial143.
Mais um serviço público nacional relevante é o Centro de Referência
de Atendimento a Mulher – CRAM; em algumas localidades conhecido como Centro
de Atendimento a Mulher - CAM, padronizado pela Secretaria de Políticas para as
Mulheres, definidos como “espaços de acolhimento/atendimento psicológico, social,
orientação e encaminhamento jurídico à mulher em situação de violência144”. Até
143
BRASIL. Subsecretaria de Enfrentamento à Violência Contra a Mulher. DECRETO Nº 7.043, DE
22 DE DEZEMBRO DE 2009. Disponível em: <http://www.sepm.gov.br/subsecretaria-deenfrentamento-a-violencia-contra-as-mulheres>. Acesso em 12 set 2010.
144
BRASIL. Centro de Referência de Atendimento à Mulher: Norma Técnica de Padronização.
Brasília, 2006. p. 15.
59
2007 foram registrados 99 unidades dos Centros espalhados pelas regiões Norte,
Nordeste, Centro-oeste, Sul e Sudeste145.
Além destas políticas, destacam-se ainda as Defensorias Públicas,
“no Brasil dão assistência a pessoas de baixa renda, sem recursos para contratar
advogados146”:
A Defensoria Pública é uma instituição incumbida de promover o
exercício dos direitos dos cidadãos, prestando-lhes orientação
jurídica integral e gratuita, em sua amplitude, objetivando resguardarlhes os direitos e interesses, judicial e extrajudicialmente147.
Ainda existe as Defensorias Públicas da Mulher, no entanto, no
Estado do Paraná não há oficialmente Defensoria Pública Geral, muito menos
direcionada as mulheres. Por fim, após a Lei Maria da Penha, se proporcionou o
engendramento dos Juizados e Varas de Violência Doméstica e Familiar contra a
Mulher.
2.3.4 Políticas Públicas implementadas na Cidade de Londrina
A Delegacia Especializada de Atendimento a Mulher no município de
Londrina foi estabelecida em 26 de agosto de 1986, “a certeza de ser atendida por
uma mulher facilita muito a ida das mulheres para dar queixas nas delegacias
especializadas148”.
[...] A Delegacia da Mulher de Londrina realizou no período de 1986 a
2007 47.458 procedimentos relacionados à violência contra a mulher,
destes, 37.801 foram boletins de ocorrência (B.O), 5.826 termos
circunstanciados (T.C.I.P) e 3.831 inquéritos policiais (I.P). [...]
Sabemos que estes dados não refletem os números da violência
contra a mulher, pois o número de casos não notificados ainda é
muito grande. Muitas mulheres, por medo, vergonha e outros motivos
preferem não denunciar seus agressores; e o fazem, conforme
demonstram os dados estatísticos, a maioria desiste, contribuindo
assim para a perpetuação do ciclo de violência doméstica149.
145
BRASIL. Enfrentamento à Violência contra a Mulher: balanço de ações 2206-2007. Secretaria
Especial de Políticas para as Mulheres. Brasília: 2007. p. 50.
146
Defensoria Pública. Disponível em: <http://www.anadep.org.br>, acesso em 06 out 2010.
147
Defensoria Pública. Disponível em: <http://www.cidadao.pr.gov.br>, acesso em 06 out 2010.
148
LONDRINA. Cartilha Enfrentamento à Violência Doméstica e Sexual em Londrina. 2007, p. 14.
149
LONDRINA. Cartilha Enfrentamento à Violência Doméstica e Sexual em Londrina. 2007, p. 14.
60
A primeira cidade brasileira a implementar uma Secretaria Municipal
da Mulher foi a cidade de Londrina. Engendrada pela lei nº 7.302 de dezembro de
1997, “a Secretaria desenvolve um trabalho que visa contribuir para a construção de
uma sociedade onde as condições de liberdade e de igualdade entre homens e
mulheres sejam asseguradas150”.
Exerce sua atuação em duas grandes vertentes: 1) atendimento
social, jurídico e psicológico às mulheres vítimas de violência, discriminação e
preconceito; 2) promoção e defesa dos direitos humanos das mulheres e
incorporação da perspectiva de gênero nas políticas públicas municipais 151.
A história da Secretaria Municipal da Mulher teve início em 1993 com
a implantação da Coordenadoria Especial da Mulher. Com pouco
mais de um ano de existência, já havia conquistado reconhecimento
enquanto espaço de defesa dos direitos das mulheres e foi premiada
durante a 1ª Mostra de Experiências Municipais sobre Defesa da
Mulher Contra a Violência, promovida pelo Instituto Brasileiro de
Administração Municipal – IBAM e Fundação Ford. Desde a sua
implantação, a experiência passou por reformulações até chegar à
estrutura atual da Secretaria Municipal da Mulher e hoje mantém os
seguintes serviços: Centro de Atendimento à Mulher: oferece
atendimento social, psicológico e de orientação jurídica às mulheres
em situação de violência; Casa Abrigo “Canto de Dália”: abriga
mulheres que sofreram violência doméstica; Casa da Mulher - Centro
de Formação e Ações Integradas: local onde são realizados cursos e
oficinas visando preparar as mulheres para o desenvolvimento de
atividades de geração de renda. Além desses serviços, a Secretaria
Municipal da Mulher desenvolve uma série de programas e projetos
voltados à prevenção e ao combate à violência de gênero, ao
fortalecimento da organização popular de mulheres e ao
desenvolvimento de projetos comunitários de geração de renda152.
O Centro de Referência e Atendimento à Mulher – CAM, em
Londrina, foi inaugurado em abril de 1993, “em 15 anos de trabalho (1993 à 2007),
atendeu cerca de 7.800 mulheres, resultando em aproximadamente 30.869
atendimentos e procedimentos realizados nas áreas de psicologia, serviço social e
jurídico153”.
150
LONDRINA. Secretaria Municipal da Mulher. Disponível em: <http://www1.londrina.pr.gov.br>
acesso em 12 set 2010.
151
LONDRINA. Secretaria Municipal da Mulher. Disponível em: <http://www1.londrina.pr.gov.br>
acesso em 12 set 2010.
152
LONDRINA. Secretaria Municipal da Mulher. Disponível em: <http://www1.londrina.pr.gov.br>
acesso em 12 set 2010.
153
LONDRINA. Cartilha Enfrentamento à Violência Doméstica e Sexual em Londrina. 2007, p. 15.
61
Com apoio do Conselho Municipal dos Direitos da Mulher,
estabelecido em 1998, a Secretaria Municipal da Mulher proporciona uma ação
articulada com setores da sociedade civil, bem como outros órgãos da administração
municipal “para a ampliação do trabalho nas áreas de educação, cultura, saúde,
combate à violência, geração de renda, entre outras”. O trabalho é fundamentado na
ampliação e efetivação dos direitos da mulher e a promoção de “seu
empoderamento social, econômico e político, como pressuposto para o exercício da
cidadania154”.
Cabe destacar outro serviço disponibilizado pelo município, o
Programa Rosa Viva com equipe 24 horas:
[...] As mulheres que sofrem violência sexual podem contar com o
Programa Rosa Viva que consiste em uma parceria entre a
Secretaria Municipal da Mulher e a Secretaria Municipal de Saúde.
Funciona desde outubro de 2001, oferecendo tratamento
humanizado que inclui assistência médica, de enfermagem, social,
psicológica e jurídica. É importante que o atendimento seja feito até
72 horas após a agressão, para que os medicamentos especiais
tenham o efeito necessário para a prevenção de gravidez e doenças
sexualmente transmissíveis155.
A respeito de apoio para abrigamento ao público feminino, o “Canto
de Dália” é a primeira casa abrigo da cidade londrinense “exclusiva para atender
mulheres em situação de violência com risco de morte 156”. Fundada em 2004,
recebe mulheres que necessariamente tenham registrado ocorrência de ameaça na
Delegacia da Mulher e a porta de entrada é compulsória pelo Centro de Referência e
Atendimento a Mulher - CAM.
A mais recente conquista para mulher londrinense é a Vara Maria da
Penha, que terá o início de seu funcionamento a partir de 5 de outubro deste ano.
Com a implantação da vara Maria da Penha, Londrina torna-se a
segunda cidade do Paraná, além de Curitiba, e a terceira do sul do
Brasil (nesses casos, excluindo as capitais do três estados) a possuir
oficialmente um órgão para coibir a violência doméstica e familiar
contra a mulher. Foram designados uma juíza, uma escrivã e
funcionários do Cartório para atuarem no órgão. Um promotor público
154
LONDRINA. Secretaria Municipal da Mulher. Disponível em: <http://www1.londrina.pr.gov.br>
acesso em 12 set 2010.
155
LONDRINA. Cartilha Enfrentamento à Violência Doméstica e Sexual em Londrina. 2007, p. 18.
156
LONDRINA. Cartilha Enfrentamento à Violência Doméstica e Sexual em Londrina. 2007, p. 16.
62
deverá ser nomeado para reforçar a equipe, além de outros
profissionais, como psicólogos e assistentes sociais 157.
Diante disto, pode-se considerar que todos estes instrumentos de
políticas públicas são conquistas e avanços à proteção feminina. Não obstante, há
ainda um grande caminho a percorrer na luta contra a violência em todas as suas
formas.
157
Vara Maria da Penha. Disponível em: <http://www1.londrina.pr.gov.br/ vara-maria-da-penha-serainstalada-em-outubro> acesso em 25 set 2010.
CAPÍTULO 3 – O ENSINO TEOLÓGICO DE JESUS CRISTO E O
ENFRENTAMENTO DA VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER NOS DIAS
ATUAIS
Neste terceiro capítulo descreve-se um perfil geral da mulher
londrinense, com apontamentos de faixa etária e quantidade de mulheres acima de
15 anos. Em seguida há uma reflexão sobre a pesquisa de campo delineando o
perfil da mulher evangélica que sofre violência e finalmente faz-se a releitura
hermenêutica baseada no paradigma cristológico.
3.1 Apontamentos sobre Perfil Geral da Mulher Londrinense
Londrina surgiu em 1929 como primeiro posto avançado da
Companhia de Terras do Norte do Paraná, empresa inglesa que, então iniciava o
processo de colonização da região. Em 21 de agosto deste mesmo ano chegou a
primeira expedição da Companhia ao local denominado Três Bocas e ali fincou o
primeiro marco de onde surgiria a cidade. O nome foi uma homenagem à Londres,
onde se localizava a sede da companhia inglesa, o que fazia de Londrina a pequena
Londres. A criação do município se deu através do decreto Estadual nº 2.519 em
1934, cinco anos mais tarde do início da colonização. Sua instalação foi em 10 de
dezembro de 1934. Desde então, Londrina permaneceu com um crescimento
constante, consolidando-se como principal ponto de referência do Norte do Paraná e
exercendo grande influência e atração regional 158.
A respeito das características populacionais do município, a última
estimativa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) é do ano de 2000,
e indica um total 447.035 habitantes. Como o novo censo foi realizado este ano, mas
seu resultado final só virá a público em 2011, o que se pode afirmar é que, de
158
História de Londrina. Disponível em: <www.londrina.pr.gov.br> acesso em 23 Out 2010.
64
acordo com a última estimativa
aproximadamente 510.707 habitantes
de 2009, londrina possui um total de
159
.
Para uma melhor compreensão da população de Londrina, segue
abaixo tabela com faixa etária e sexo. Com destaque para mulher londrinense acima
de 15 anos, baseado nos dados de 2000.
TABELA 1: POPULAÇÃO ESTIMADA DO MUNICÍPIO DE LONDRINA,
SEGUNDO FAIXA ETÁRIA E SEXO 2000
FAIXA ETÁRIA
TOTAL
HOMENS
MULHERES
3.845
Menos de 1 ano
7.860
4.015
3.938
1 ano
7.994
4.055
3.820
2 anos
7.868
4.048
3.954
3 anos
8.096
4.142
3.943
4 anos
7.905
3.962
3.950
5 anos
8.119
4.169
4.052
6 anos
8.272
4.220
4.193
7 anos
8.509
4.316
4.022
8 anos
8.211
4.189
4.036
9 anos
8.296
4.260
4.195
10 anos
8.480
4.285
4.056
11 anos
8.165
4.109
4.147
12 anos
8.356
4.208
4.539
13 anos
9.182
4.643
4.836
14 anos
9.674
4.838
22.731
15 a 19 anos
45.009
22.278
20.140
20 a 24 anos
39.229
19.089
20.468
25 a 29 anos
38.963
18.495
20.469
30 a 34 anos
38.692
18.223
18.178
35 a 39 anos
33.838
15.660
15.968
40 a 44 anos
30.079
14.111
12.732
45 a 49 anos
23.831
11.100
10.032
50 a 54 anos
19.350
9.318
8.093
55 a 59 anos
15.421
7.328
6.708
60 a 64 anos
12.682
5.974
5.322
65 a 69 anos
9.958
4.636
3.482
70 a 74 anos
6.574
3.091
2.345
75 a 79 anos
4.214
1.869
2.284
80 anos e mais
3.962
1.679
145
Ignorado
277
132
TOTAL
447.065
215.816
231.249
ALEXIUS (2010) com base em PML/SEPLAN – Gerência de Pesquisas e Informações e Censo
Demográfico de 2000 do IBGE
NOTA: Distribuição por faixa etária de acordo com os percentuais da Contagem Demográfica –
IBGE – 1996160
159
Estimativa Populacional. Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/cidadesat/topwindow.> acesso
em 23 Out 2010.
160
Londrina em dados 2009. Disponível em: <http://www1.londrina.pr.gov.br> acesso em 23 Out 2010.
65
TABELA 2: POPULAÇÃO ESTIMADA DE MULHERES LONDRINENSES
ACIMA DE 15 ANOS
15 a 19 anos
22.731
20 a 24 anos
20.140
25 a 29 anos
20.468
30 a 34 anos
20.469
35 a 39 anos
18.178
40 a 44 anos
15.968
45 a 49 anos
12.732
50 a 54 anos
10.032
55 a 59 anos
8.093
60 a 64 anos
6.708
65 a 69 anos
5.322
70 a 74 anos
3.482
75 a 79 anos
2.345
80 anos e mais
2.284
Total: de 15 a 80 anos ou mais
168.952
ALEXIUS (2010) com base em PML/SEPLAN – Gerência de Pesquisas e Informações Censo
Demográfico 2000. IBGE.
NOTA: Distribuição por faixa etária de acordo com os percentuais da Contagem Demográfica –
IBGE – 1996
Logo, pode-se apontar que diante dos dados são mais de 160 mil
mulheres acima de 15 anos que constituem o contexto londrinense, inseridas na
conjuntura das mais variadas realidades sócio-cultural, religiosa e filosófica.
Mulheres ricas e pobres, não-alfabetizadas e escolarizadas, donas de casa e
empresárias, políticas e batalhadoras, que vivem em um ambiente em que a
violência se fez e se faz presente em todas as classes sociais. Os indicadores são
tão evidentes que Londrina foi o município pioneiro na criação de uma política de
defesa da mulher, demonstrando a luta da mulher londrinense em prol da não
violência de gênero.
3.2 Pesquisa de Campo e Dados sobre a Mulher Evangélica que Sofre Violência
na Cidade de Londrina
Ratifica-se que a pesquisa de campo foi realizada a partir do
levantamento de dados em relação à mulher vítima de violência que procurou
atendimento no Centro de Atendimento à Mulher no decorrer de 2010 (janeiro a
setembro). Devido ao enfoque da pesquisa citado na metodologia, o recorte para
reflexão foi direcionado apenas à mulher evangélica que buscou apoio na Instituição.
66
Assim, apenas a primeira tabela demonstra o total de mulheres por religião que
buscam o CAM, nas demais tabelas são demonstradas somente as características
da mulher evangélica.
Cabe destacar que os dados estatísticos referentes aos meses de
fevereiro e março estavam na mesma pasta, os quais foram computados juntos na
tabela, o que não interfere na reflexão uma vez que a análise foi realizada de
maneira geral, ou seja, considerando o resultado total de janeiro a setembro, e não
mês a mês. Além disso, no momento do levantamento dos dados as fichas foram
lidas e a pesquisadora anotou alguns apontamentos distintos que se fizeram
relevantes. Também se elucida que o sinal de + na tabela indica que a pessoa
sofreu mais de um tipo de violência.
Por conseguinte, pode-se inferir qual perfil da mulher evangélica,
atendida pelo CAM, Jesus encontraria nos dias atuais na cidade de Londrina
conforme tabelas na sequência.
TABELA 3: CATEGORIA RELIGIÃO GERAL
RELIGIÃO
Católica
Evangélica
Espírita
Sem religião
Não Anotado ou
Não Declarado
Total Mulheres
JAN
14
08
04
FEV
MAR
19
14
03
17
ABR
MAIO
JUN
JUL
AGO
SET
Total
09
07
01
05
06
08
02
07
06
-
09
10
01
07
14
09
01
09
21
08
03
99
70
03
03
37
206
ALEXIUS (2010)
O atendimento realizado de 01 de janeiro a 30 de setembro
contabiliza um total de 206 mulheres vítimas de algum tipo de violência ou
necessitada de alguma espécie de apoio. As evangélicas representam 33,98% do
total, apontando para um número significativo. Atesta-se que a quantidade de
mulheres evangélicas que sofreram violência, atendidas no período, apresentou
proporcionalidade maior do que o total percentual evangélico da população
londrinense, pois a média é 21% de londrinenses que se professam evangélicos 161.
161
In: MUZZIO, R. (Org) A Revolução Silenciosa – Transformando Cidades pela Implantação de
Igrejas Saudáveis. São Paulo: Sepal. 2004.
67
Computa-se ainda a existência de 37 mulheres que não declararam sua fé ou não
anotaram na ficha cadastral, não sendo possível detectar o número exato de
evangélicas que deixou de ser detectado. Não é possível identificar se o agressor
das evangélicas também professava a mesma fé, contudo, o simples fato da
proporcionalidade das mulheres admoestadas ser maior do que a proporção
percentual evangélica na cidade aponta para um agravante e para a necessidade de
uma ação prática por parte das denominações cristãs protestantes.
TABELA 4: SITUAÇÃO DE TRABALHO
SITUAÇÃO
TRABALHO
Desempregada
Empregada
Autônoma
Benefício
Aposentada
Vive Aluguel
Não Trabalha
Não Sabe
Não Consta
Total
JAN
03
02
01
01
01
-
FEV
MAR
02
03
02
02
02
03
-
ABR
MAIO
JUN
JUL
AGO
SET
Total
02
03
01
01
-
04
01
02
01
-
01
01
02
02
-
03
02
03
01
01
-
03
02
01
01
01
03
02
03
-
11
21
12
08
02
01
13
01
01
70
ALEXIUS (2010)
A TABELA 4 demonstra que 21 mulheres estão empregadas
formalmente, o que indica 30% do total ou uma em cada dez mulheres atendidas.
Quanto às demais, 12 atuam de maneira autônoma (17,14%), 11 estão
desempregadas (15,71%), 8 recebem algum tipo de benefício governamental
(11,42%) e apenas uma declarou não saber sua própria situação de trabalho, o que
pode ser explicado pelo fato de uma mulher possuir deficiência mental.
TABELA 5: SITUAÇÃO EDUCACIONAL
SITUAÇÃO
EDUCACIONAL
Não Alfabetizada
Fund. Incompleto
Fund. Completo
Médio Incompleto
Médio Completo
Sup. Incompleto
Sup. Completo
Total
JAN
01
01
05
01
FEV
MAR
06
01
01
05
01
-
ABR
MAI
JUN
JUL
AGO
SET
Total
04
02
01
-
01
06
01
-
01df
02
02
01
-
05
01
01
02
01
02
02
03
02
03
01
01
03
-
22
09
05
26
04
03
70
ALEXIUS (2010)
68
O perfil exposto na TABELA 05 indica para a realidade educacional
feminina das evangélicas atendidas pelo CAM, na qual nenhuma mulher é nãoalfabetizada. Os resultados mostram que 22 possuem o ensino fundamental
incompleto (31,42%) e 9 o ensino fundamental completo (12,85%). Apenas 3
atendidas concluíram o ensino superior (4,28%), o que indica um nível baixo de
situação educacional. Por outro lado, a maioria, ou seja, 26 atendidas (37,14%),
terminaram o ensino médio, o que mostra um resultado razoável quando se
considera o nível total de analfabetismo no Brasil, o qual beira os 9,7% de
analfabetos e 20,3% de analfabetos funcionais.
TABELA 6: SITUAÇÃO HABITACIONAL
SITUAÇÃO
HABITACIONAL
Própria
Financiada
Alugada
Cedida
Assentamento
Ocupação
Sem Moradia
Não Consta
Total
JAN
04
01
02
01
-
FEV
MAR
12
01
01
-
ABR
MAIO
JUN
JUL
AGO
SET
Total
04
01
01
01
-
01
01
05
02
01
02
01
02
05
02
02
01
04
01
03
01
-
01
03
03
01
32
05
18
07
01
01
01
05
70
ALEXIUS (2010)
A TABELA 06 apresenta a situação habitacional das mulheres
evangélicas atendidas pelo CAM no período de abrangência da pesquisa. Verifica-se
que a maioria das atendidas, o que totaliza 32 mulheres, possui casa própria
(45,71%), enquanto apenas uma está completamente sem nenhuma moradia, fato
este que aponta para situação de abrigamento em decorrência da violência sofrida.
Constata-se que 25,71% pagam aluguel e 10% moram em habitação cedida.
Aponta-se ainda que duas atendidas moram em ocupação ou assentamento.
Ressalta-se que todas as mulheres atendidas no período que foram vítimas de
agressões graves ou gravíssimas podem ter permanecido em situação de
abrigamento por algum período.
69
TABELA 7: RENDA FAMILIAR
RENDA
FAMILIAR
Não Sabe
Sem Renda
Menos de 1 sm
De 1 a 2 sm
De 2 a 3 sm
De 3 a 4 sm
Mais de 4 sm
Não Consta
Total
JAN
01
04
02
01
-
FEV
MAR
02
01
03
02
01
05
-
ABR
MAI
JUN
JUL
AGO
SET
Total
01
01
03
01
01
-
02
02
01
03
-
02
02
01
01
05
03
01
01
-
05
01
01
02
-
01
01
01
05
-
12
03
01
23
07
06
17
01
70
ALEXIUS (2010)
Nota da autora: Valores correntes no mês de setembro de 2010. De 1 a 2 SM = R$ 510,00 até R$
1.020,00; De 2 a 3 SM = R$ 1.020,00 até R$ 1.530,00; De 3 a 4 SM = R$ 1.530,00 até R$
2.040,00; R$ mais 4SM = mais de 2.040,00
A avaliação sobre renda foi feita baseada somente na renda familiar,
e não na renda per capita da mulher em questão, fato este que se apresenta como
um limitador para a análise da real situação financeira da mulher atendida e qual o
seu grau de independência econômica em relação ao cônjuge. Assim, a renda
familiar exposta na TABELA 07 não significa necessariamente que a mulher
atendida tenha acesso a algum dinheiro da renda familiar. Entre as atendidas, 12
mulheres (17,14%) não souberam informar a renda familiar, o que indica uma
alienação ou marginalidade diante de uma questão importante que é o fator
econômico. Para 3 mulheres (4,28%) não há renda nenhuma, sobrevivendo apenas
de doações. Outras 23 atendidas (32,85%) responderam viver com a média de 1 a 2
salários mínimos. Por outro lado, a reflexão aponta que 17 mulheres (24,28%) vivem
em um lar com renda acima de 4 salários mínimos, o que na realidade não
representa muitos recursos, contudo, se comparado as demais, representa um
padrão de vida com maior qualidade. Isto também significa que não é apenas a
mulher pobre e miserável que sofre violência, antes, a temática se faz presente em
todas as classes sociais.
70
TABELA 8: FAIXA ETÁRIA
FAIXA ETÁRIA
De 15 a 25
De 26 a 35
De 36 a 45
De 46 a 55
Mais de 56
Total
JAN
03
01
01
02
01
FEV
MAR
01
06
02
04
01
ABR
MAIO
JUN
JUL
AGO
SET
Total
01
05
01
02
02
02
01
01
01
02
01
01
01
02
03
01
03
01
01
04
02
01
01
01
04
03
-
11
23
12
17
07
70
ALEXIUS (2010)
A maior quantidade de mulheres atendidas encontra-se na fase de
jovens adultas, com idade entre 26 a 35 anos (32,85%), seguidas de 17 mulheres na
faixa de 46 a 55 anos (24,28%). As mulheres idosas representam 10% do total. Ao
todo 12 atendidas têm entre 36 e 45 anos (17,14%) e 11 são adolescentes ou jovens
(15,71%). Estes dados mostram que a questão da violência contra a mulher está
presente de uma forma geral em todas as faixas etárias.
TABELA 9: NÚMERO DE FILHOS
NÚMERO DE
FILHOS
Sem Filhos
01
02
03
04
05
06
07
Não Consta
Total
JAN
01
02
01
02
02
-
FEV
MAR
04
06
03
01
-
ABR
MAIO
JUN
JUL
AGO
SET
Total
01
03
03
-
01
01
03
02
01
-
01
01
02
01
01
01
02
03
01
03
-
02
02
03
01
01
-
01
04
01
01
01
-
10
09
21
15
10
02
01
01
01
70
ALEXIUS (2010)
A maior parte das pesquisadas possuem o número médio de dois
filhos (30%). Mulheres com três filhos (21,42%), com quatro filhos (14,28%), sem
filhos (14,28%) ou com apenas um único filho (12,85%) representam os principais
perfis desta categoria. Apesar da variedade, a maioria das atendidas apresentou
famílias com uma quantidade máxima de até quatro filhos.
71
TABELA 10: ESTADO CIVIL
ESTADO CIVIL
Solteira
Casada
Convivente
Sep. Judicial
Divorciada
Viúva
Não Consta
Total
JAN
02
04
02
-
FEV
MAR
01
09
03
01
-
ABR
MAI
JUN
JUL
AGO
SET
Total
01
04
01
01
-
02
05
01
-
02
01
01
02
03
05
01
01
-
04
05
-
03
02
01
02
-
18
35
07
01
06
01
02
70
ALEXIUS (2010)
A respeito do estado civil das mulheres, cabe ressaltar algumas
peculiaridades encontradas nas fichas cadastrais. Embora se tenha os dados de
autodeclaração, nem todos os itens correspondem à realidade vista no documento
analisado. Desta forma, têm-se mulheres autodeclaradas solteiras que de fato são
conviventes, outras que estão casadas formalmente, mas já não vivem com seus
maridos, sendo então o agressor, ex-marido na realidade. Metade das atendidas,
isto é, 35 mulheres, são casadas. Outras categorias com destaque foram 18 que se
declararam solteiras (25,71%), 7 na condição de convivente (10%) e 6 divorciadas
(8,57%).
TABELA 11: CARACTERIZAÇÃO DA VIOLÊNCIA
CARACTER. DA
VIOLÊNCIA
Relac. Conjugal
Intrafamiliar
Âmbito Público
Nenhuma
(Transt. Psico)
Total
JAN
06
01
01
FEV
MAR
13
01
-
ABR
MAIO
JUN
JUL
AGO
SET
Total
06
01+
01ñ
-
08
02+
01+
-
03
02
01
-
08
01
01
-
09
-
08
-
61
08
04
01
74
ALEXIUS (2010)
Segundo a Normatização utilizada no Centro de Atendimento a
Mulher – CAM, a caracterização da violência é assim discriminada: Relação
Conjugal considera namorado, companheiro, marido, ex-marido ou convivente.
Intrafamiliar qualquer pessoa do âmbito familiar, unidos por laços de sangue ou
afinidade, inclusive parentes mais distantes. O âmbito público aponta para terceiros
de qualquer espécie que não se encaixam nos itens anteriores. Elucida-se que 01
72
mulher não sofre nenhum tipo de violência, mas recebe apoio psicológico da
instituição devido a transtornos mentais.
A grande parte das mulheres sofre violência por parte daquele que
deveria ser seu amigo, protetor, companheiro. São 61 mulheres, ou seja, 87,14% do
total. Das quatro mulheres que sofreram violência no âmbito público (5,71%), uma
delas alegou sofrer violência também no âmbito intrafamiliar no mês de Abril, o sinal
01ñ significa que o marido não ajuda em casa com absolutamente nada, tanto
financeiramente quanto em questões de manutenção da casa, o que acaba por
gerar conflito com os familiares. Além disso, a tabela indica que 04 mulheres sofrem
mais de um tipo de violência.
Outro caso em particular diz respeito às brigas que estão
relacionadas à “conversão da mulher”, que alega entender que agora existem
“pecados sexuais” os quais ela não quer mais praticar, fato este que gera
descontentamento do marido, o qual a agride psicologicamente. O que se pode
inferir é que a igreja evangélica em questão não trabalha o assunto de forma
adequada.
TABELA 12: AVALIAÇÃO DE RISCO DA INTEGRIDADE FÍSICA
RISCO
INTEGRIDADE
Sem Risco
Leve
Moderada
Grave
Gravíssima
Total
JAN
03
04
01
-
FEV
MAR
05
06
03
-
ABR
MAIO
JUN
JUL
AGO
SET
Total
01
01
03
01
01
02
04
02
-
04
02
-
02
07
01
-
02
05
01
01
02
06
-
01
17
39
11
02
70
ALEXIUS (2010)
Segundo a Normatização utilizada no Centro de Atendimento a
Mulher – CAM, a avaliação de risco da integridade física é assim discriminada:
Sem Risco: Não está exposta a nenhum tipo de risco.
Leve: ameaça verbal de forma esporádica com possibilidade de
separação consensual;
Moderada: tortura psicológica e ou agressões físicas sem
ameaças de morte;
73
Grave: ameaças de morte e ou agressões físicas constantes.
Medida de abrigamento com familiares ou amigos.
Gravíssima: quando há ameaças de morte e necessita de
abrigamento governamental (Canto de Dália ou saída do
município)
A respeito da avaliação do risco de integridade física os dados
apontam uma condição significativa e complexa. A maioria das mulheres se
enquadra no Risco de avaliação Moderada (55,71%), o que indica mais da metade
das
pesquisadas.
Não
foi
possível
aprofundar
o
estudo
e
demonstrar
especificamente os tipos de violência que sofreram cada uma de forma individual,
mas sabe-se que torturas psicológicas e agressões físicas sem ameaças de morte
significam até casos de espancamento, abuso sexual e estupro, todavia, sem risco
de morte.
As mulheres que foram avaliadas como grau Leve são dezessete, o
que representa (24,28%) do total, as quais são agredidas verbalmente de forma
esporádica, com possibilidade de separação consensual. Importa dizer, que a
maioria dos agressores não quer deixar ou se separar de suas vítimas de acordo
com dados descritos na ficha.
Apesar da classificação apontar grau Leve, esta
categoria inclui xingamentos e humilhações. Sobre a classificação da lesão física,
exemplifica melhor a Lei nº 9.099/95:
As lesões corporais de natureza leve são aquelas que agridem a
integridade corporal ou a saúde, sem provocar risco de vida ou
danos permanentes e/ou irreversíveis. As lesões graves e
gravíssimas são aquelas que provocam perigo de vida, incapacidade,
perda ou debilidade permanente de membro, sentido ou função,
aceleração de parto, incapacidade para o trabalho, enfermidade
incurável, deformidade permanente e aborto. O movimento de
mulheres avalia que a Lei 9.099/95 precisa ser modificada, pois
nenhuma lesão corporal deve ser considerada, a princípio, um ato de
menor poder ofensivo, principalmente quando ocorre nas relações
familiares162.
A avaliação considerada Grave indica o total de 11 mulheres,
representando (15,71%). Estas são aquelas que estão ameaçadas de morte e
162
Violência contra mulher: um guia de defesa, orientação e apoio. Disponível em: <http://www.cepia.
org.br/Textos_online/cartilha2000.pdf> acesso em 25 Set 2010. p.09.
74
conseguem se abrigar na casa de familiares ou amigos. Correm sério risco à vida,
pois aqui as ameaças já são consideradas de maior gravidade e de grande
possibilidade de efetivação.
Finalmente, os casos considerados Gravíssimos são aqueles em
que a mulher não tem a quem recorrer senão ao Estado, pois está ameaçada de
morte e precisa de abrigamento governamental ou mesmo sair do município diante
do perigo iminente, normalmente levando consigo os filhos/filhas. Na pesquisa foram
constatadas apenas duas mulheres nesta condição.
Apesar dos números serem elevados, de acordo com a organização
não-governamental Cidadania, Estudo, Pesquisa, Informação e Ação - CEPIA, as
denúncias não correspondem ao número real de mulheres que sofrem violência,
pois por medo, nos casos de estupro, ou por intimidações de diversas naturezas,
nos casos de violência doméstica, muitas mulheres não denunciam agressões,
ameaças ou espancamentos por medo de maior represália 163.
3.3 Releitura para uma Práxis Fundamentada no Modelo de Jesus
A releitura pode também ser chamada de atualização, ou seja, por
meio de uma Hermenêutica se faz as atualizações para os dias de hoje. Aqui se
buscou as congruências entre o CAPÍTULO 1 e o CAPÍTULO 2 fundamentadas
numa
Hermenêutica
Cristológica.
Para Wegner
releitura
pode
ser
assim
conceituada:
A tarefa da atualização é construir uma ponte entre o significado do
texto no passado e sua relevância para os dias atuais. [...] A
atualização pressupõem que a palavra de Deus, a despeito de ser
sempre situacional e contextual, tem uma mensagem perene e válida
para além da situação concreta em que foi formulada, pelo simples
fato de que a verdadeira identidade da pessoa humana frente à
Deus, aos seus semelhantes e ao mundo criado permanece igual
hoje àquela que foi no passado e também será no futuro. [...] A tarefa
da atualização é construir uma ponte entre o significado do texto no
passado e sua relevância para os dias atuais 164.
163
Cidadania, Estudo, Pesquisa, Informação e Ação - CEPIA. Violência contra mulher: um guia de
defesa, orientação e apoio. Disponível em: <http://www.cepia. org.br/Textos_online/cartilha2000.pdf>
acesso em 25 Set 2010. p.06.
164
WEGNER, 1998, p. 310.
75
Wegner apresenta seis princípios que direcionam a atualização
baseado em Martinez (1984):
1. O significado atual de um texto não pode se divorciado de seu
significado original...; 2. É preciso que se descubra o elemento
comum ao contexto original do autor e do leitor...; 3. É necessário
fazer-se a devida distinção entre o cultural e o perenamente
normativo...; 4. Deve-se determinar o pensamento central da
mensagem...; 5. Devem ser tomadas em consideração todas as
partes do texto...; 6. Deve-se descobrir e respeitar o fundamento
teológico do texto165.
Desta
forma,
abaixo
se
apontam
algumas
atualizações
fundamentadas na práxis de Jesus, uma releitura relevante para os dias correntes.
Sobre o significado atual do texto correlacionado ao significado
original foi detectado na análise exegética que Deus considera até a mais
desprezada das pessoas humanas como SUJEITO DE SUA HISTÓRIA, isto é de
extrema relevância para a sociedade contemporânea em que a vontade de poucos é
o que ainda impera. A sociedade considera os pequenos e fracos como objetos,
mas Jesus os considera sujeitos. Por conseguinte, deve-se resgatar o conceito de
SUJEITO HISTÓRICO, porque isto é dom de Deus. Os cristãos devem se
responsabilizar por construir um mundo melhor, manifestando de forma concreta o
que Jesus ensinou. Além disso, a igreja atual também reflete uma sociedade
corrompida, pois dificilmente se vê algum ministério em que a opinião de seus
membros seja levada em consideração. Normalmente as decisões são tomadas de
forma vertical.
Consequentemente, isto nos remete a outra atualização do tema: A
SUPERAÇÃO DA RELIGIOSIDADE, ou seja, a religião oficial vs. o posicionamento
cristológico. Infelizmente, a religião está mais perto das ações dos escribas e
fariseus do que dos ensinamentos de Jesus. Assim, a releitura pretende resgatar a
centralidade de Jesus Cristo em detrimento da religião que não pode salvar. Aqui,
deseja-se chamar a atenção da igreja evangélica para que pense qual tem sido sua
atitude diante da violência, pois se hoje não queimam mais “bruxas” como na
inquisição, a omissão tem feito centenas de vítimas de igual modo.
165
Wegner, Uwe. Apud: MARTÍNEZ, J. M. Hermenêutica Bíblica: como interpretar las Sagradas
Escrituras. Barcelona: CLIE, 1984.
76
Outro ponto diz respeito à VALORIZAÇÃO DA VIDA superando o
legalismo e a rigidez da Lei, tão inflexível e sem misericórdia. Jesus ensinou aos
seus discípulos e ouvintes o status da Nova Lei, a Lei do Amor, que igualmente
difere de nossa história eclesiástica, a qual nos conta de tantos inocentes
assassinados em nome de Deus. “[...] Em Deus não existe violência. Enviou como
quem convida, não como perseguidor; enviou como quem ama, não como juiz 166”.
O elemento comum do texto com os dias atuais é a VIOLÊNCIA
DE GÊNERO, como foram pesquisados, os avanços legais são muito recentes, a Lei
Maria da Penha é de 2006 e é uma prova de como a violência está inserida em
todas as classes sociais como também indicou a pesquisa de campo. Não obstante,
o Senhor Jesus já ensinou há tanto tempo qual deve ser a atitude diante da
violência. Ele nunca ratificou nenhum ato violento, mesmo que este viesse recoberto
de aparente justiça e representasse uma ideologia onde os fins justificam os meios.
Antes, sendo Deus, tomou forma de servo e nos ensinou que a maior causa a se
viver e morrer é o amor. Logo, os cristãos são chamados a viverem a não-violência e
a resistirem a toda forma de impiedade baseados no modelo de Jesus.
Semelhantemente, a distinção cultural e normativa do momento
histórico está em demonstrar que nada que humilhe a pessoa humana ou a
considere inferior devido ao sexo, raça ou religião deve ser considerado padrão.
Nenhuma LEI INJUSTA DEVE SER OBEDECIDA, pois se na cultura judaica a
mulher era marginalizada em muitos aspectos, o ensino de Jesus foi exemplo do
que deve ser perenemente considerado para todas as gerações. A cultura humana
é cooptada por sua própria maldade e expressa, em todas as épocas, a necessidade
do ser humano voltar-se para seu criador.
[...] Não é ser feliz dominar despoticamente o próximo, nem querer
estar acima dos mais fracos, nem enriquecer-se e praticar violências
contra inferiores. Em nada disto imitaria alguém a Deus; tudo isto
está excluído de sua grandeza. Quem carrega o fardo do próximo,
quem procura fazer bem ao inferior naquilo mesmo em que é melhor,
quem transfere os dons de Deus aos necessitados, torna-se um deus
para os que o recebem, é imitador de Deus167.
166
Autor desconhecido. A Carta a Diogneto. Introdução e notas: Dom Fernando A. Figueiredo. 2ªed.
Petrópolis: Vozes, 2003. p.26.
167
Autor desconhecido. A Carta a Diogneto. Introdução e notas: Dom Fernando A. Figueiredo. 2ªed.
Petrópolis: Vozes, 2003. p.30
77
Por fim, pode-se considerar o pensamento central da mensagem e
seu fundamento teológico a IGUALDADE ENTRE HOMENS E MULHERES,
ENTRE RELIGIOSOS E PECADORES diante de Deus, o qual é o único que pode
absolver os seres humanos de seus delitos. Deus deu a todos a capacidade de optar
pelo caminho que se quer seguir. Mostrou que o importante é um coração
arrependido que reconheça o senhorio de Cristo e se responsabilize por construir
seu caminho pautado na justiça e no amor. Para isto o exemplo da “mulher adúltera”
foi melhor do que o exemplo dos religiosos.
Diante disto, a seguir faz-se uma modesta sugestão de como a
igreja evangélica pode colaborar no enfrentamento à violência contra a mulher nos
dias atuais pautada no modelo cristológico.
Primeiramente, a Igreja deve se atentar para violência sofrida em
seu próprio seio, olhar para os seus com o olhar do Mestre, cheio de misericórdia e
consideração. Jesus olhou para aquela mulher, considerou-a, enxergou-a, perdooua e a amou. Assim deve ser a ação da igreja, deve exercer um MINISTÉRIO DE
INCLUSÃO E ENSINO, redescobrir o significado de ser mulher em Jesus Cristo. A
igreja pode oferecer apoio às mulheres vítimas de violência que estão inseridas no
contexto evangélico, seja através de grupos de apoio, seja por meio de orientação
jurídica ou de alternativas teológicas, acolhendo esta mulher e tratando do tema ao
invés de ignorá-lo. A igreja evangélica atual precisa voltar-se para o estudo da
Palavra e retirar ensinamentos relevantes para hoje. Como demonstrou os dados da
pesquisa de campo, 33,98% de evangélicas sofrendo violência, principalmente no
lar, é um grave fenômeno que não pode continuar sendo ignorado pela Igreja.
Outrossim, o fato desta proporção ser maior que o número de evangélicos em
Londrina assinala para uma séria questão que precisa ser encarada pela Igreja
como ministério. Segundo Kliksberg (1997), entre as tendências no campo social na
América Latina, encontram-se o “enfraquecimento da unidade familiar e a ascensão
da violência168”. Diante disto, a igreja pode e deve voltar-se para o ensino e
fortalecimento da família, projeto de Deus, célula da sociedade. Trabalhando a
temática da violência dentro da igreja, oferecendo estudos também voltados aos
168
KLIKSBERG, Bernardo. O Desafio da Exclusão. Fundap. São Paulo, 1997. In: MUZZIO, R. (Org) A
Revolução Silenciosa – Transformando Cidades pela Implantação de Igrejas Saudáveis. São Paulo:
Sepal. 2004. p. 123-142. Capítulo 7.
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homens e demonstrando o que Jesus ensinou sobre gênero. Para isto, a Igreja
precisa reconhecer seu próprio pecado de religiosidade e omissão.
Em segundo lugar, a Igreja pode ser um MOVIMENTO DE CONTRA
CULTURA, por meio de APOIO AOS MOVIMENTOS SOCIAIS, incentivando seus
membros a manifestarem os valores do Reino numa sociedade injusta. Não
obstante, para que isto ocorra, deverão repensar sua estrutura atual, que é
hierarquizada, autoritária e antidemocrática. Também, devem reconhecer o papel da
mulher no Corpo de Cristo – deixar de vê-la como coadjuvante ou inferior e passar a
vê-la como aquela que está ao lado do homem para servir o mesmo Deus e
expressar seu amor. Os cristãos em sua universalidade do Corpo de Cristo foram no
decorrer da história um movimento de contra-cultura, o que atualmente não se pode
perceber. A Igreja e em especial sua manifestação evangélica pode colaborar para
resgatar a razão de ser Igreja. Para Costa (2004) “a Igreja do Senhor Jesus não é
uma célula estranha e alienada à sociedade na qual está inserida” antes há “uma
relação profunda entre Sociedade e Igreja, e a certeza de que fatalmente uma das
duas acaba exercendo influência decisiva sobre a outra 169”.
A terceira possibilidade da Igreja é participar na LUTA PELOS
AVANÇOS LEGAIS, ser um agente de mudanças, conscientizar a comunidade sobre
a condição feminina e todos juntos construírem uma nova história. A Igreja pode
manifestar concretamente o Reino de Deus se posicionando contra toda forma de
violência e injustiça.
Finalmente, à Igreja é ordenado ser uma VOZ PROFÉTICA em sua
ATUAÇÃO SOCIAL, através da denúncia e do anúncio. Denúncia das condições que
“aviltam e violentam o ser humano, e do anúncio da mensagem do Reino, onde os
[seres humanos] libertos e em comunhão expressam e experenciam a vida em
abundância170”. Desta forma, “a Igreja deve ser o real e efetivo porta-voz do Senhor
na sociedade. Portanto, ela não foi criada por Deus para simplesmente existir como
um fim em si mesma. O Propósito é que continue o ministério de Jesus, no
mundo171”. Além do ministério na própria Igreja, outra maneira de contribuir é se
inserindo NAS POLÍTICAS PÚBLICAS, acompanhando o que está sendo feito e
169
COSTA, Selma Frossard. A Ação Social da Igreja Evangélica em Londrina. In: MUZZIO, R. (Org) A
Revolução Silenciosa – Transformando Cidades pela Implantação de Igrejas Saudáveis. São Paulo:
Sepal. 2004. p. 123-142. Capítulo 7.
170
COSTA, 2004, p. 123-142. Capítulo 7.
171
COSTA, 2004, p. 123-142. Capítulo 7.
79
oferecendo colaboração. Atualmente, não existe nenhum INSTITUTO DA FAMÍLIA,
sem ônus, voltado a oferecer algum tipo de tratamento para os casos de violência.
Quando a pessoa passa pela delegacia ou recebe atendimento no CAM, NÃO
EXISTE a alternativa de TRATAMENTO PARA O CASAL. Não há nenhum lugar
para ENCAMINHAR aquelas que não querem se separar. O que existe como foi
apontado é SOMENTE acompanhamento psicológico, jurídico e avaliação social. A
Igreja pode incentivar seus membros a fazerem parte dos CONSELHOS
MUNICIPAIS, fomentando a abertura do combate a violência contra a mulher em
todas as suas formas e inserindo-se na discussão. No Plano de Políticas para as
Mulheres, é previsto a CLÍNICA PARA REABILITAÇÃO DO AGRESSOR que não
existe em Londrina, mas que poderia ser engendrado pela IGREJA, uma vez que
esta é chamada a cuidar da família. Como ratifica Costa (2004) “a Igreja tem uma
responsabilidade
social
específica
junto
àqueles
que,
por
determinantes
econômicos, educacionais, culturais, religiosos e políticos, encontram-se oprimidos e
infelizes172”.
E infelizmente, muitas vezes os casais fragilizados não têm forças
para buscar a Igreja, contudo Jesus ensinou que a Igreja tem a missão de ir até o
necessitado. Na maioria das ocasiões, ao buscar apoio o indivíduo não encontra o
tratamento adequado para o seu problema. Assim, ser um agente de transformação
da sociedade é a vocação irrenunciável da Igreja.
172
COSTA, 2004, p. 123-142. Capítulo 7.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O Estudo Exegético é um instrumento da Teologia que oferece
grande contribuição para conhecer o ensino bíblico de Jesus com profundidade e
originalidade. Por séculos a Bíblia foi utilizada conforme os interesses particulares
principalmente daqueles que dominam e subjugam outros seres humanos. Não
obstante, compreender a atitude de Jesus e todo impacto que significou para sua
época é uma riqueza iniguálavel, o que implica em conhecer que de fato Ele não
ratificou a violência em nenhuma de suas formas, inclusive a de gênero.
Jesus Cristo é o mesmo ontem, hoje e eternamente. Ele morreu
pelos pecados da humanidade para resgatar nossa identidade. Ele nos fez como
sujeitos históricos e nos chamou à construção de uma sociedade que transmita os
valores de Seu Reino. “A história das mulheres brasileiras é uma história recente,
que se ressente de um passado mal contado, de silêncios seculares que ainda não
foram completamente quebrados 173”. No entanto, há dois mil anos o Senhor da
História quebrou o silêncio da injustiça e da opressão, ensinou o amor, a justiça e a
igualdade entre os seres humanos. Foi rejeitado e incomprendido, pois preferiram a
religiosidade ao Mestre do Amor. Ainda hoje, muitos preferem a religião morta,
legalista e a justiça humana à misericóridia divina.
Mas todos quantos o receberam, deu lhes o poder de serem feitos
filhos de Deus, a saber todos que crêem em seu nome. A estes, Jesus deixou o
legado de continuar sua missão, anunciar as boas novas da salvação e a resistir
bravamente toda forma de violência e opressão.
Ressalto que diversos autores e comentaristas do Evangelho de São
João não mencionaram o texto da mulher adúltera, entre ele: Annie Jaubert, José
Bortolini, Raymond Brown, entre outros. Tal fato indica uma omissão em relação ao
texto detectada desde a análise exegética oculta em vários manuscritos e
negligenciada por vários estudiosos contemporâneos, os quais simplesmente
“pularam” a parte da perícope em suas análises. Como foi apontado, não há
interesse de certos grupos em registrar um texto tão inquietante e polêmico. Mas
173
Disponível em: <http://www.sepm.gov.br/publicacoes-teste/publicacoes/2010/memorial-da-mulherbrasileira.pdf p.7> acesso em 25 Set 2010.
81
graças à soberania de Deus e a ação da Igreja Primitiva o texto conservou-se de
forma oral até encontrar seu lugar na mensagem canônica.
Ademais, a atitude de Jesus diante da violência contra mulher
mostrou sua relevância para os dias atuais como instrumento norteador de uma
nova práxis para a sociedade contemporânea e para a Igreja. Assim, a Teologia e a
Cristologia oferecem sua contribuição para fundamentar uma ação com igualdade no
tratamento entre homens e mulheres, bem como na co-responsabilidade no
enfrentamento à violência.
A pesquisa também alertou para a violência sofrida pelas mulheres
evangélicas, inseridas na conjuntura clerical. Que isto possa ser uma denúncia e um
anúncio para a busca de uma atitude positiva da Igreja, peculiarmente a igreja
evangélica, em prol do acolhimento e apoio às agredidas e à família.
Semelhantemente, que aos homens seja trabalhada a conscientização de que
ambos foram igualmente criados a imagem de Deus para viverem em amor e
cuidado mútuo, superando no contexto religioso os resquícios de um legado
teológico que legitima a desigualdade de gênero. Além disso, detectou-se como a
violência está presente em todas as classes sociais, mostrando ser sua superação
um desafio para todos.
No período da realização deste estudo, a pesquisadora exerceu seu
trabalho profissional na Secretaria Municipal da Mulher, fato pelo qual deseja que de
alguma forma esta reflexão colabore concretamente para diminuir os índices da
violência de gênero na cidade de Londrina. Que a Igreja se posicione em fazer seu
papel como Corpo de Cristo, fazendo surgir ministérios voltados para o combate à
violência contra a mulher. Espera-se que a Igreja de Jesus se insira nos espaços
públicos da sociedade, nos conselhos municipais e nas políticas públicas, deixando
o amor de Cristo se manifestar de maneira relevante no enfrentamento da violência
de gênero.
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ANEXO
Texto na íntegra. Disponível em: http://www.mariadapenha.org.br/a-lei/a-historia-damaria-da-penha acessado em 18/09/10.
A história da Maria da Penha
A Lei que protege as mulheres contra a violência recebeu o nome de Maria da
Penha em homenagem à farmacêutica cearense Maria da Penha Maia Fernandes.
Com muita dedicação e senso de justiça, ela mostrou para a sociedade a
importância de se proteger a mulher da violência sofrida no ambiente mais
inesperado, seu próprio lar, e advinda do alvo menos previsto, seu companheiro,
marido ou namorado.
Em 1983, Maria da Penha recebeu um tiro de seu marido, Marco Antônio Heredia
Viveiros, professor universitário, enquanto dormia. Como seqüela, perdeu os
movimentos das pernas e se viu presa em uma cadeira de rodas. Seu marido tentou
acobertar o crime, afirmando que o disparo havia sido cometido por um ladrão.
Após um longo período no hospital, a farmacêutica retornou para casa, onde mais
sofrimento lhe aguardava. Seu marido a manteve presa dentro de casa, iniciando-se
uma série de agressões. Por fim, uma nova tentativa de assassinato, desta vez por
eletrocução que a levou a buscar ajuda da família. Com uma autorização judicial,
conseguiu deixar a casa em companhia das três filhas. Maria da Penha ficou
paraplégica.
No ano seguinte, em 1984, Maria da Penha iniciou uma longa jornada em busca de
justiça e segurança. Sete anos depois, seu marido foi a júri, sendo condenado a 15
anos de prisão. A defesa apelou da sentença e, no ano seguinte, a condenação foi
anulada. Um novo julgamento foi realizado em 1996 e uma condenação de 10 anos
foi-lhe aplicada. Porém, o marido de Maria da Penha apenas ficou preso por dois
anos, em regime fechado.
Em razão deste fato, o Centro pela Justiça e pelo Direito Internacional (CEJIL) e o
Comitê Latino-Americano de Defesa dos Direitos da Mulher (CLADEM), juntamente
com a vítima Maria da Penha, formalizaram uma denúncia à Comissão
Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos
(OEA), Órgão Internacional responsável pelo arquivamento de comunicações
decorrentes de violação de acordos internacionais.
Paralelamente, iniciou-se um longo processo de discussão através de proposta
elaborada por um Consórcio de ONGs (ADVOCACY, AGENDE, CEPIA, CFEMEA,
CLADEM/IPÊ e THEMIS). Assim, a repercussão do caso foi elevada a nível
internacional. Após reformulação efetuada por meio de um grupo de trabalho
interministerial, coordenado pela Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres,
do Governo Federal, a proposta foi encaminhada para o Congresso Nacional.
88
Transformada a proposta em Projeto de Lei, realizaram-se durante o ano de 2005,
inúmeras audiências públicas em Assembléias Legislativas das cinco Regiões do
País, contando com a intensa participação de entidades da sociedade civil.
O resultando foi a confecção de um "substitutivo" acordado entre a relatoria do
projeto, o Consórcio das ONGs e o Executivo Federal, que resultou na sua
aprovação no Congresso Nacional, por unanimidade.
Assim, a Lei nº 11.340 foi sancionada pelo Presidente da República em 07 de agosto
de 2006.
Em vigor desde 22 de setembro de 2006, a "Lei Maria da Penha" dá cumprimento,
finalmente, as disposições contidas no §8º, do artigo 226, da Constituição Federal de
1988, que impunha a criação de mecanismos para coibir a violência no âmbito das
relações familiares, bem como à Convenção para Previnir, Punir e Erradicar a
Violência Contra à Mulher, da OEA (Convenção de Belém do Pará), ratificada pelo
Estado Brasileiro há 11 anos e, ainda, à Convenção para Eliminação de Todas as
Formas de Discriminação Contra a Mulher (CEDAW) da ONU (Organização para as
Nações Unidas).
“Isto tudo porque, segundo exterioriza a Ministra da Secretaria Especial de Políticas
para as Mulheres, Nilcéa Freire, “toda mulher tem o direito a uma vida livre de
violência”, que é nosso desejo e deve ser nosso compromisso”.